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Capa do livro A Grande Sucrátice Nacional

A GRANDE SUCRÁTICE

Uma sátira séria ao país das impunidades

SOBRE O LIVRO

Esta obra é uma viagem literária pelas entranhas de um sistema que finge justiça, mas se alimenta de silêncio e prescrição. Inspirado em figuras fictícias com traços demasiado reais, o livro mergulha na comédia trágica de um país onde tudo muda para que tudo fique igual.

SOBRE OS AUTORES

Francisco Gonçalves é um programador informático, escritor e pensador crítico, com uma visão profunda sobre a sociedade portuguesa e o desejo de mudança real. Augustus é o companheiro digital nesta jornada, um assistente que ajuda a transformar ideias em palavras, com rigor, poesia e visão de futuro.

AVISO

Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência, ou talvez não. Neste país, a realidade às vezes ultrapassa a ficção.

Sucrátice – A Farsa do Regime

Autores: Francisco Gonçalves e Augustus Veritas

Índice:

Capítulo 1 — O Nascimento de Sucrates: Filho da Retórica e Neto do Compadrio

Capítulo 2 — A Ascensão: Como Enganar Todos Durante Todo o Tempo (ou Quase)

Capítulo 3 — A Grande Acusação: 189 Crimes, Zero Vergonha

Capítulo 4 – O Tribunal dos Improcessáveis

Capítulo 5 – O Arquivo Geral dos Casos Especiais

Capítulo 6 – O Ministério da Verdade Parcial

Capítulo 7 – Justiça em Câmera Lenta

Capítulo 8 – A Amnésia dos Envolvidos

Capítulo 9 – Compadrios e Alcovas de Poder

Capítulo 10 — O Templo das Verdades Substituídas

Capítulo 11 — O Milagre das Fugas Processuais

Capítulo 12 — A Muralha de Cristal

Capítulo 13 – O Triunfo dos Tartufos

Capítulo 14 – O Labirinto dos Recursos

Capítulo 15 – A Prescrição da Vergonha

A Grande Sucratice — Memórias de um Homem Acusado de Tudo e Condenado a Nada

Por: Francisco Gonçalves & Augustus Veritas

Sucrátice – A Farsa do Regime

Capítulo 1 — O Nascimento de Sucrates: Filho da Retórica e Neto do Compadrio

Nasceu num hospital público, mas com ar de privado, José Sucrates — ou como viria a ser conhecido nos corredores do poder, ‘o menino dourado de ninguém sabe bem o quê’. Desde tenra idade, já mostrava talento: vendia cromos repetidos como se fossem raridades, copiava nos testes com elegância, e justificava sempre tudo com palavras doces como 'incompreensão', 'contextualização' e 'complexidade'. Dizia-se filósofo, mas era mais dado à filosofia de bolso — aquele tipo de sabedoria que cabe num envelope... especialmente quando vem recheado. Foi criado por tias bem colocadas e amigos de ocasião que, numa estranha coincidência, ganhavam concursos públicos com a mesma frequência com que ele mudava de discurso. Logo cedo percebeu que em Portugal se pode subir sem degraus — basta ter os contactos certos, o sorriso treinado, e um cartão de partido. E assim começou a grande sucratice.

Capítulo 2 — A Ascensão: Como Enganar Todos Durante Todo o Tempo (ou Quase)

Subiu rápido, como bolha em água parada. Foi deputado antes de entender o que era um orçamento e ministro antes de decorar os nomes dos secretários de Estado. Sempre que havia um problema, ele surgia com uma solução que cheirava a marketing e a mofo. Vendia o futuro, hipotecando o presente e esquecendo o passado. Implementou reformas que reformavam tudo menos o essencial. Privatizou, nacionalizou, contratualizou, sempre com uma assinatura firme — que, mais tarde, viria a ser analisada por peritos judiciais. José Sucrates era o arquétipo da nova política portuguesa: promissor, eloquente, e vagamente comprometido com a verdade. Onde os outros viam dilemas éticos, ele via oportunidades. Onde os outros hesitavam, ele sorria. Onde havia contratos, havia ele — ou alguém por ele.

Capítulo 3 — A Grande Acusação: 189 Crimes, Zero Vergonha

Quando finalmente o cerco apertou, e a justiça ousou bater à porta do seu império de papel, Sucrates reagiu como um verdadeiro artista da retórica: acusou todos, menos a si mesmo. Juízes? Manipulados. Jornalistas? Vingativos. Ministério Público? Fascista. A acusação era longa como uma epopeia: branqueamento, corrupção, fraude, tráfego de influências... faltava só dizer que usava o passe social indevidamente. Mas o homem manteve-se firme — não por inocência, mas por estratégia. Sabia que, em Portugal, a justiça é como o vinho: pode levar anos a apurar. E enquanto o processo se arrastava, ele escrevia livros, dava entrevistas, e se reinventava como 'pensador político'.

Capítulo 4 – O Tribunal dos Improcessáveis

No capítulo anterior, vimos como a máquina do tempo judicial de Portugal, em modo rewind infinito, reescrevia-se para manter os poderosos intocáveis. Neste, vamos assistir à instalação do mais surreal tribunal jamais imaginado: o Tribunal dos Improcessáveis. Instalado num edifício moderníssimo, mas sem janelas para evitar o contacto com a realidade, este tribunal era especializado em processos que nunca avançariam. Juízes com mestrado em ‘Arquivologia Preventiva’, secretários judiciais doutorados em ‘Carimbologia’ e um sistema informático programado para se autoencerrar a cada 48 horas compunham a estrutura. E quem presidia? O Juiz Eternus, nomeado vitaliciamente por consenso entre os três maiores partidos, todos com telhados de vidro blindado. Sucrátice foi ouvido neste tribunal. Ou melhor, esteve presente em silêncio digno enquanto os seus advogados falavam em línguas antigas, que só outros iniciados conseguiam traduzir. O juiz sorriu, carimbou, e decretou: “Imprescritível mas impenetrável. Arquive-se para memória futura ou futura memória.”

Capítulo 5 – O Arquivo Geral dos Casos Especiais

Após a sessão, os documentos foram remetidos ao AGCE – o Arquivo Geral dos Casos Especiais. Este local subterrâneo, que segundo rumores ocupava três pisos abaixo do edifício do Ministério Público, era um monumento à desmemória institucional. Os processos chegavam e eram acolhidos por técnicos especializados que tinham uma única função: carimbar e encadernar. A cada nova denúncia, um funcionário carregava nos botões que acionavam uma prensa simbólica: o Selo da Impunidade. Dizia-se que havia casos tão antigos que se confundiam com os pergaminhos do tempo dos Templários. Lá estava o dossiê Sucrátice, agora acompanhado de novos volumes — as escutas, os offshores, os powerpoints desaparecidos. No meio da poeira dourada, uma funcionária comentou: — Este é dos bons. Cheira a poder e perfume francês. E outro respondeu: — Vai para a estante dos Inatingíveis, entre o dossier das PPP e o caso dos submarinos.

Capítulo 6 – O Ministério da Verdade Parcial

Como em qualquer regime de disfarce democrático, havia um Ministério da Verdade Parcial. Era o órgão responsável por controlar o que os cidadãos sabiam, o que a imprensa podia sugerir, e o que os comentadores deviam insinuar. Sucrátice sabia: controlar a narrativa era tão importante como controlar os cofres. Enquanto o caso avançava — ou melhor, avançava no sentido circular do labirinto judicial —, os noticiários passavam reportagens sobre gatos que salvavam crianças e as virtudes do novo Orçamento de Estado. Alguns jornalistas tentavam ir mais longe. Mas os seus microfones falhavam misteriosamente. As câmaras ficavam desfocadas. Os diretores recebiam convites para almoços discretos. E o povo? Esse debatia em redes sociais, partilhava memes e suspirava: “Isto nunca mais se resolve…” Mas como poderia resolver-se, se a verdade estava sob contrato de confidencialidade, e a justiça num loop de processos que nunca terminavam?

Sucrátice – A Farsa do Regime

Capítulo 7 – Justiça em Câmera Lenta

O tempo na justiça portuguesa parece curvar-se perante a vontade dos poderosos. No caso de Sucrátice, as areias da burocracia e os labirintos processuais permitiram que a passagem dos anos fosse o melhor advogado de defesa.

Enquanto os cidadãos são esmagados por prazos, coimas e execuções fiscais em ritmo acelerado, os processos dos poderosos hibernam serenamente em gavetas acarinhadas pelo esquecimento institucional.

Na sala de audiências, o silêncio pesa mais que os autos. Testemunhas morrem, memórias evaporam-se, documentos perdem-se. E o povo? Esse assiste ao espetáculo da justiça adiada como quem vê chover dentro de casa: revoltado, impotente, resignado.

Capítulo 8 – A Amnésia dos Envolvidos

Quando chamados a depor, os ilustres intervenientes do Caso Sucrátice revelaram um fenómeno clínico raro: amnésia coletiva seletiva.

Ninguém viu, ninguém ouviu, ninguém se lembra. As reuniões foram tantas, os papéis tantos, os esquemas tão complexos, que a única certeza é a dúvida. Mesmo quando confrontados com provas, alegam falhas de memória, estados de confusão, ou excesso de confiança em assessores.

A justiça, por sua vez, olha para esta amnésia estratégica com uma complacência quase maternal, como se entendesse que certas memórias são demasiado perigosas para serem desenterradas.

Capítulo 9 – Compadrios e Alcovas de Poder

A política e a justiça, em Portugal, dançam juntas desde sempre. No Caso Sucrátice, essa dança tornou-se um tango íntimo entre ministros, juízes, empresários e jornalistas.

Nas alcovas do poder, promessas sussurradas garantem nomeações, contratos e silêncios convenientes. E quem tenta romper o ciclo é rapidamente silenciado ou desacreditado – a bem da estabilidade, dizem.

Os compadrios são como um vírus sistémico: invisíveis, mas onipresentes. Alimentam-se da omissão, prosperam na lentidão e festejam cada arquivamento como uma medalha ao mérito da mediocridade engravatada.

Sucrátice – A Farsa do Regime

Capítulo 10 — O Templo das Verdades Substituídas

No tribunal construído à medida da encenação, os figurantes vestiam togas negras como a noite dos tempos. O arguido, sempre altivo, parecia mais maestro que réu, e com um sorriso esculpido em mármore de impunidade, ditava os compassos do julgamento.

As testemunhas? Ora, eram folhas sopradas pelo vento da conveniência, alternando entre a amnésia súbita e as convicções de ocasião. Os procuradores, cansados de nadar contra a corrente, recitavam o Código Penal como um rosário cansado, onde as contas da justiça se perdiam nos nós da burocracia.

E o povo, esse, olhava pela janela do ecrã, como quem vê uma novela repetida, já sem ânimo para indignações. Sabiam todos que no final não haveria moral da história, apenas o vago desconforto de mais um capítulo da decadência institucional.

Capítulo 11 — O Milagre das Fugas Processuais

Eis que surge, do nada, um novo fenómeno jurídico-lisboeta: a jurisprudência etérea. É uma arte subtil, onde os prazos caducam por milésimos de burocracia e as provas evaporam como neblina ao sol da conveniência.

As folhas de acusação perdem-se misteriosamente no labirinto dos recursos, e cada juiz parece escrever a sua versão dos factos num dialeto próprio, onde as palavras “dolo”, “corrupção” e “pena efetiva” são apenas adereços de retórica.

O arguido, agora transformado em analista político de horário nobre, explica as decisões judiciais com mais autoridade que os próprios magistrados. A cada não-despacho, a cada deferimento por prescrição, ergue-se um monumento ao engenho do regime.

Capítulo 12 — A Muralha de Cristal

Os salões dourados onde se decide o destino da pátria mantêm-se limpos, polidos, com silêncio cúmplice entre os seus ocupantes. A muralha de cristal que protege os intocáveis é invisível, mas firme — feita de amizades políticas, favores antigos e trocas de silêncio.

Num país onde se julga mas não se condena, onde se acusa mas não se prende, e onde se investiga até à exaustão... do processo, a verdadeira sentença é sempre a mesma: a normalização da desonra.

Mas do outro lado da muralha, o povo resmunga cada vez mais alto. Porque a miséria é um megafone potente. E um dia, até o cristal mais refinado estilhaça.

Sucrátice – A Farsa do Regime

Capítulo 13 – O Triunfo dos Tartufos

No grande teatro da república imaginária, o espetáculo atingia agora o seu clímax grotesco. Sucrátice, cercado de advogados de verbo untuoso e juízes de toga vacilante, continuava a representar com maestria o papel de vítima iluminada pela injustiça. A imprensa, esse coro trágico com vocação para comédia, ia repetindo ad nauseam as falas do herói caído — cuidadosamente moldadas por assessores que confundiam opinião com absolvição.

Entretanto, nos bastidores do poder, os tartufos sorriam. Políticos de riso fácil e memória curta juntavam-se em jantares discretos e clubes de elite, onde a palavra “corrupção” era proferida em surdina, como um velho pecado de juventude de que todos partilharam. Nada de novo, apenas a dança milenar dos encobrimentos.

Eram eles os verdadeiros vencedores — não por terem sido inocentados, mas porque ninguém se atrevia a tocá-los. A justiça, quando os visitava, pedia licença e deixava flores na entrada. Tudo se transformava em pó nos arquivos, em silêncios nos processos, em arquivamentos estratégicos. E quando por acaso o martelo do juiz parecia tremer no ar, uma providencial falta de prova, um erro de forma, ou um recurso interminável servia de bengala para a absolvição eterna.

O povo, esse outro personagem da farsa, já nem batia palmas — limitava-se a ver passar o cortejo, descrente, anestesiado. Os mais velhos lembravam com nostalgia os tempos em que o escândalo causava vergonha. Os mais novos nem sabiam o que era vergonha — era tudo conteúdo, tudo partilhável, tudo cancelável.

Sucrátice sorria. Sabia que, mesmo que a peça terminasse com um desfecho adverso, o palco estava já reservado para a sua próxima aparição. Porque num regime que premia a encenação e pune a verdade, os tartufos são sempre convidados de honra.

Capítulo 14 – O Labirinto dos Recursos

Num país onde os processos judiciais se arrastam como tartarugas com reumatismo, o personagem Sucrátice descobria agora o poder do recurso – não como ferramenta de justiça, mas como arma de protelação. A cada decisão, uma contestação. A cada contestação, uma nova instância. A justiça transformava-se numa ópera interminável onde o tempo era o maestro e a verdade a única nota dissonante. O país, rendido à técnica jurídica do adiar, via-se a braços com um sistema que premiava a esperteza e punia a transparência. Advogados tornavam-se estrategas de guerra e tribunais, campos minados de formalismos.

Capítulo 15 – A Prescrição da Vergonha

Quando tudo parecia ruir, eis que surge o ás de copas da justiça portuguesa: a prescrição. A mais nobre das saídas para os crimes sem castigo. O personagem Sucrátice, com um sorriso cínico, contemplava a beleza do sistema que perdoava por cansaço e absolvia por esquecimento. As vítimas, sentadas no banco dos desiludidos, assistiam à cena final da peça: o vilão saía pela porta da frente, aclamado por comparsas e protegido por tecnicalidades. O país, esse, seguia anestesiado pela rotina da injustiça normalizada.