Democracia Direta: Do Palco ao Povo
por Francisco Gonçalves
Esta é uma sátira cívica com instruções práticas, do primeiro voto ao último meme.
1. Capítulo 1 - O Grande Palco: Onde os Partidos Brilham e o Povo Paga Bilhete
2. Capítulo 2 - Deputados, Lobbyistas e outras Criaturas da Floresta Parlamentar
3. Capítulo 3 - Campanhas Eleitorais: Reality Shows com Finais Pré-Escritos
4. Capítulo 4 - A Política como Espetáculo e o Cidadão como Figurante
5. Capítulo 5 - Do Referendo à Revolução Silenciosa
6. Capítulo 6 - Modelos Antigos: Atenas sem Wi-Fi
7. Capítulo 7 - Democracia Suíça: Relógios, Chocolate e Votos
8. Capítulo 8 - A Tecnologia como Oráculo do Século XXI
9. Capítulo 9 - O Cidadão 2.0: Informado, Participativo e com Memes Engraçados
10. Capítulo 10 - Educação Política desde o Jardim de Infância (com Legos)
11. Capítulo 11 - Códigos de Ética, Transparência e Chouriços
12. Capítulo 12 - Assembleias Cidadãs e Deliberação Coletiva: Da Praça ao Código-Fonte
13. Capítulo 13 - A Inteligência Coletiva: A Nossa Última Esperança
14. Capítulo 14 - Inteligência Artificial no Governo? Só se for mesmo melhor que os humanos
15. Capítulo 15 - Do “Eles Decidem” ao “Nós Participamos”
16. Epílogo - Instruções para a Democracia em Kit (com chave de fendas incluída)
Vivemos numa democratura. Sim, leu bem: uma democracia com tiques de ditadura, temperada com verniz constitucional e discursos empolgantes. Um sistema onde o povo "manda", mas raramente sabe onde ou em quem. As eleições são como reality shows: escolhemos o concorrente menos insuportável, cruzamos os dedos, e voltamos para o sofá a ver o país ser gerido como uma telenovela com excesso de temporadas.
Os partidos políticos são como companhias de teatro ambulantes. Cada um tem o seu cartaz, os seus actores principais, os figurantes, os cenógrafos da propaganda, os directores de campanha (especialistas em fingir que estão a ouvir o público) e, claro, o guionista oculto que escreve todas as promessas que nunca verão a luz do hemiciclo.
Em ano de eleições, todos se lembram que o povo existe. Beijam criancinhas, abraçam peixeiras, fingem que gostam de alheiras e de comboios. Depois do voto, os palcos fecham, as luzes apagam-se e o povo é gentilmente convidado a calar-se até ao próximo acto. "Obrigado, voltamos em quatro anos!"
E o povo? O povo paga o bilhete. Em impostos, em filas no centro de saúde, em escolas com tectos que desabam, em tribunais que funcionam com calendários lunares. Ainda assim, acreditamos. Porque crescemos com a ideia de que viver em democracia é um privilégio. E é. Mas não esta. Esta é uma democracia por correspondência. O problema é que a maioria das cartas se perde nos corredores do poder.
Continuemos.
O palco está montado, os actores estão em cena. Mas onde está a plateia? Está dispersa, descrente, exausta. Cansada de aplaudir de pé por espectáculos de fraca qualidade. Talvez esteja na hora de escrever uma nova peça. E, quem sabe, subir ao palco.
Se o Parlamento fosse uma floresta, os deputados seriam as árvores mais barulhentas. Não pelas folhas, mas pelo ruído constante das suas intervenções, quase sempre mais ensaiadas do que uma peça de teatro escolar. Uns gritam por convicção, outros por falta de microfone interno. E há os que falam apenas quando a câmara está ligada — espécie rara, mas muito vaidosa.
No sub-bosque, por entre corredores sombrios e gabinetes acarpetados, movem-se os lobbyistas. Criaturas discretas, muitas vezes confundidas com assessores, consultores ou vendedores de aspiradores legislativos. São mestres da invisibilidade, influenciam sem aparecer, orientam sem se responsabilizar. Jardineiros ocultos, cultivam leis ao gosto do cliente — desde que o cliente não se chame povo.
Claro que temos também os tecnocratas: seres que falam em jargão técnico e adoram PowerPoints. Alimentam-se de estudos de impacto, gráficos e relatórios de 200 páginas que provam tudo e o seu contrário. Muitas vezes servem de tradutores entre a vontade popular e a burocracia institucional — geralmente para garantir que a vontade popular seja bem arquivada.
Os partidos, esses, comportam-se como matilhas territoriais. Cada um com o seu espaço ideológico, marcando o território com moções, declarações inflamadas e tweets passivo-agressivos. O diálogo entre eles? Um concerto de latidos disfarçado de debate democrático. O consenso é visto com desconfiança: quando acontece, geralmente é sinal de que algo cheira a esturro ou a "entendimento estratégico".
E o povo? O povo continua do lado de fora da cerca. Vê os movimentos pelas janelas dos noticiários, tenta perceber por que
motivo um pedido de reforma de um processo judicial leva mais tempo do que um carvalho a crescer. Sonha com mudança, mas acorda com a mesma paisagem. Talvez um dia o povo invada a floresta — não com machados, mas com ideias, com propostas, com votos vivos. Por agora, resta-lhe ouvir os ecos das árvores falantes, à espera que alguma diga algo novo.
Campanhas eleitorais: esse estranho período onde os políticos fingem ser gente como nós, e o povo finge acreditar.
É nesta fase que os partidos afinam as promessas, ensaiam os abraços e calibram os olhares sinceros. Os candidatos tornam-se personagens de novela, treinados por media coaches e consultores de imagem que estudam mais as câmaras do que os programas. Têm frases feitas na algibeira e sorrisos desinfectados prontos a aplicar em qualquer selfie ou feira popular.
Distribuem-se canetas, bonés, beijinhos e promessas. Promessas? Ah, essas são como balões: coloridas, leves, e rebentam ao primeiro contacto com a realidade. Ninguém espera que sejam cumpridas — e ainda assim todos se ofendem quando são ignoradas.
Os debates são concursos de eloquência controlada. Cada resposta é um golpe de karaté verbal, cada pergunta é esquivada com a elegância de um trapezista político. Os programas eleitorais? Pequenos romances que ninguém lê. A verdadeira campanha está no soundbite, no meme viral, na fotografia de proximidade. Política em versão fast-food.
E o povo? Observa. Espera. Vota. E depois volta à rotina como quem regressa de uma festa de casamento onde conhecia pouca gente e não gostava do bolo. O final já se adivinhava, mas ainda assim esperava-se um pouco mais de magia.
Talvez estejamos prontos para mudar o guião. Para transformar este reality show de promessas e encenações numa assembleia permanente de decisões reais. Onde cada cidadão tenha papel, fala e voto. Talvez esteja na hora de substituir o palco pela praça — e os figurantes por protagonistas.
Vivemos uma época em que a política já não se exerce — representa-se. De facto, entre o dramatismo parlamentar, a encenação dos debates televisivos e a coreografia das promessas eleitorais, é difícil distinguir um político de um ator, ou uma campanha de um episódio especial de telenovela em horário nobre.
A política tornou-se um espetáculo de entretenimento. Os discursos não visam convencer, mas comover. Não se busca verdade — busca-se impacto. Um bom soundbite vale mais que um argumento bem estruturado. Uma lágrima bem temporizada derruba mais resistência que um orçamento rigoroso. E as redes sociais? São o palco principal. Ali, cada gesto é milimetricamente pensado, cada frase testada em laboratório de likes, cada selfie calculada com a precisão de um cirurgião digital.
Enquanto isso, o cidadão foi sendo relegado ao papel de figurante. Surge ocasionalmente, quando se precisa de um “português comum” para um excerto de telejornal. Grita numa manifestação quando o guião o permite. É chamado a opinar quando a encenação exige “interação com o público”. Mas no fundo… está calado, está longe, está em silêncio — porque não lhe deram falas.
Na democracia-espetáculo, o povo não participa. Reage. Com emojis, com indignação, com partilhas irónicas. Mas isso não é cidadania — é consumo. A opinião pública é medida como se mede o sucesso de um produto: quantos gostaram, quantos viram, quantos retweetaram. E os debates? Tornaram-se concursos de vaidade, jogos de retórica vazia onde ganha quem domina o tom, não quem tem razão.
Tudo é imagem. Tudo é cálculo. E, por isso, tudo é frágil.
A consequência? Um povo desiludido, descrente, cínico. Um povo que já não espera verdade — apenas boa representação. Um povo que assiste à política como quem vê um reality show: com riso amargo, pipocas de resignação e o desejo secreto de mudar de canal.
Mas talvez... talvez haja outro caminho.
Talvez seja possível resgatar a política da ribalta e devolvê-la à rua. Retirar-lhe o brilho falso e devolver-lhe o suor da responsabilidade. Talvez a política devesse deixar de ser espetáculo e voltar a ser oficina — com ferramentas cívicas, com cidadãos de mangas arregaçadas, com discussões acesas mas honestas, com decisões pensadas em conjunto e não encomendadas a agências de comunicação.
Sim, talvez seja tempo de reescrever o guião.
E desta vez, sem teleponto.
Referendo. Palavra solene, de eco quase sagrado, que nas bocas do poder soa sempre como último recurso, nunca como primeira escolha. É o botão de alarme da democracia representativa — usado com cautela, invocado com medo, adiado com desculpas.
Mas o referendo, na sua essência, é o mais puro dos atos democráticos: é o povo a dizer sim ou não, sem intermediários, sem retórica de bancada, sem jogos de bastidor. É a devolução momentânea da soberania ao seu legítimo dono. E por isso mesmo, tantos o temem.
Os governantes hesitam. Os partidos tremem. Os comentadores torcem o nariz. Porque o referendo — ao contrário da eleição — é imprevisível. E um povo imprevisível é perigoso para quem está habituado a prever tudo… menos a verdade.
Mas não deveria ser assim. O referendo devia ser o começo de algo maior: o despertar de uma democracia direta, vibrante, constante. Não como exceção — mas como prática habitual.
Hoje, temos meios. Ferramentas digitais, segurança criptográfica, literacia crescente. Temos cidades inteiras a votar online sobre orçamento participativo. Temos plataformas que permitem deliberação cidadã com profundidade e tempo. Temos, sobretudo, um povo que está farto de ver decisões tomadas por quem nunca viu uma fila do centro de saúde ou um salário mínimo na conta.
E é aqui que começa a revolução silenciosa.
Não com barricadas. Não com megafones em punho. Mas com participação. Com propostas escritas a muitas mãos. Com assembleias populares em praças físicas e digitais. Com cidadãos
comuns a discutir temas complexos, a estudar alternativas, a decidir com ponderação.
Uma revolução que não se vê nas capas dos jornais, mas nas votações locais. Que não faz manchetes, mas faz mudanças. Que não derruba governos — substitui sistemas.
Sim, haverá quem diga: “Mas o povo não está preparado.” Mas quando esteve? Estar preparado é um mito usado por quem nunca quer partilhar o poder. A verdade é que aprendemos fazendo. A cidadania não é dom divino — é músculo que se treina. E quanto mais usamos a nossa voz, mais afinada ela se torna.
O medo do referendo é o medo da democracia em estado puro. É o receio de que o povo, ao pensar por si, diga coisas que incomodam. Mas talvez esteja na altura de nos sentirmos desconfortáveis. De deixarmos o sofá da política passiva e caminharmos juntos na estrada da deliberação.
Porque, no fim, a revolução silenciosa é isso: o ruído surdo de milhares de consciências a despertar. A perceber que o país não é palco — é casa. E que, sim, podemos arrumar os móveis juntos.
Muito antes das apps de deliberação, dos orçamentos participativos online e dos memes políticos, havia… a ágora. O berço da democracia. O lugar onde o povo de Atenas se juntava não para aplaudir discursos prontos, mas para decidir, para debater, para moldar o destino da pólis com as próprias mãos — e com voz própria.
Não havia Twitter, mas havia oradores de esquina. Não havia Facebook, mas havia assembleias populares. Não se partilhavam memes, mas partilhavam-se argumentos. E, convenhamos, havia muito mais pensamento em cada praça do que em muitos plenários modernos.
Mas sejamos justos: a democracia ateniense era direta, sim, mas também excludente. Apenas homens, cidadãos livres, nascidos de pais atenienses, podiam participar. Mulheres, escravos, estrangeiros? Silenciados, invisíveis, à margem da democracia que, afinal, era mais aristocrática do que universal.
Ainda assim, havia ali um embrião poderoso: a ideia de que quem vive as consequências das decisões deve ser quem as toma. Que o povo não deve delegar tudo — deve deliberar, influenciar, escolher.
Reuniam-se em praças abertas. Decidiam por voto, por sorteio, por aclamação. Não havia partidos como os conhecemos — havia facções de pensamento, sim, mas a fragmentação era de ideias, não de interesses económicos.
Havia também o ostracismo. Sim, esse mecanismo curioso onde, se um cidadão acumulava demasiado poder ou influência perigosa, podia ser banido por votação popular. Um botão de reset político, mais eficaz que qualquer comissão parlamentar de inquérito.
Hoje, ao olharmos para Atenas antiga, é fácil rir com condescendência: “Que primitivo!”. Mas talvez o riso devesse ser
outro: o de admiração. Porque, mesmo com todas as suas limitações, os atenienses tinham algo que nos falta em excesso: coragem de decidir em coletivo.
Tinham tempo — porque participar era dever e honra. Tinham voz — porque ninguém falava por eles. Tinham erro — mas também responsabilidade.
Atenas sem Wi-Fi era, ainda assim, mais interativa que muitas democracias modernas com fibra ótica. Porque a conexão mais importante não é a digital — é a cívica. E essa, por vezes, parece estar com sinal fraco.
Mas temos hoje a oportunidade de completar o que os gregos começaram. De abrir as portas da participação a todos. De usar a tecnologia para incluir, não para manipular. De deixar que a multidão pense, escolha, construa.
Sim, os gregos antigos não tinham internet. Mas tinham cidadania viva. E talvez seja hora de ligarmos o Wi-Fi — mas sem desligarmos o espírito da ágora.
Quando se fala de democracia direta, há um país que surge invariavelmente como referência: a Suíça. Não apenas pelas vacas felizes e pelos comboios que chegam à hora, mas porque ali o povo vota como quem respira — com regularidade, com naturalidade, com sentido de responsabilidade que faria corar muitos ministros de países mais ensolarados.
Na Suíça, referendos não são momentos épicos reservados a crises existenciais. São rotina. Desde a política fiscal ao ordenamento do território, passando pelo preço do queijo ou a legislação sobre vacinas — os suíços votam em tudo. E votam várias vezes por ano. É uma democracia em modo relógio: precisa, previsível, participativa.
Como funciona? Simples, mas exigente. Há dois instrumentos principais:
O referendo obrigatório ou facultativo, onde os cidadãos podem vetar leis aprovadas pelo parlamento.
A iniciativa popular, que permite a qualquer grupo de cidadãos propor uma alteração constitucional — desde que recolham as assinaturas necessárias.
O resultado? Um povo habituado a decidir. Uma classe política que não se esquece de consultar antes de legislar. E uma cultura cívica onde o cidadão não é espectador, mas coprotagonista do enredo político.
Claro, não é um paraíso. Há críticas legítimas: participação desigual, influências financeiras subtis, fraturas ideológicas regionais. Mas a verdade permanece: nenhum outro país institucionalizou tão profundamente o poder do povo decidir com regularidade.
E não, não se trata apenas de tradição alpina. Trata-se de estrutura. De vontade política. De respeito. Na Suíça, o governo governa — mas sabe que, a qualquer momento, o povo pode dizer “não”. E isso muda tudo.
Imagine-se o mesmo em Portugal: leis aprovadas com a certeza de que o povo poderá validá-las. Políticos mais cuidadosos, menos arrogantes. Cidadãos mais atentos, mais confiantes. E, quem sabe, menos indignação acumulada nas redes sociais.
“Ah, mas nós não somos a Suíça”, dirão os do costume. Pois não. Mas talvez possamos aprender com quem ousou fazer da democracia uma prática regular e não um ritual quinquenal.
Porque se os suíços conseguem decidir sobre temas complexos enquanto saboreiam chocolate quente e ouvem sinos alpinos… talvez nós também possamos decidir o destino do país entre um café e uma ideia clara.
A democracia não precisa ser helvética. Mas pode, ao menos, ser mais frequente. E menos teatral.
Se na antiguidade o povo consultava o Oráculo de Delfos para ouvir a vontade dos deuses, hoje consulta o Google para tentar perceber a vontade do algoritmo. Mudam-se os deuses, mas permanece o ritual: a busca de orientação fora de nós. Só que agora os templos são digitais, os sacerdotes vestem hoodies e os oráculos respondem com anúncios segmentados.
Vivemos na era em que a tecnologia nos conhece melhor do que nós mesmos. Os nossos hábitos de voto, consumo, deslocação, indignação… tudo é registado, processado, analisado. A inteligência artificial não adivinha o futuro — ela molda-o. E nesse contexto, a pergunta é inevitável: poderá a tecnologia salvar a democracia?
A resposta? Não, se for deixada sozinha. Sim, se for domada pelo povo.
Tecnologia não tem alma. Não tem ética nem senso comum. É poderosa, veloz, incansável — mas cega aos valores se ninguém lhos ensinar. Por isso, não se trata de entregar o governo aos algoritmos. Trata-se de usar os algoritmos para devolver o governo ao povo.
Como? Com plataformas de deliberação participativa. Com votação eletrónica segura e auditável. Com assembleias online moderadas por inteligência emocional digital. Com sistemas que combatam a desinformação em tempo real. Com ferramentas que ajudem o cidadão a entender as consequências das escolhas, não apenas a clicar em opções.
A tecnologia pode ser a nova Ágora. Pode tornar a participação mais acessível, mais frequente, mais inclusiva. Pode permitir que reformados de aldeias remotas e jovens de cidades superpovoadas
participem na mesma assembleia. Que se vote com dignidade sem sair de casa. Que se crie política com base em dados reais e sentimentos legítimos.
Mas também há perigos. A manipulação algorítmica. As bolhas de filtro. As campanhas automatizadas de ódio. A ilusão de participação sem poder real. E, sobretudo, o risco de substituir a deliberação pela reacção.
Por isso, a tecnologia deve ser ferramenta — nunca substituto. Auxiliar — nunca dono. Deve ampliar a democracia, não distorcê-la. Humanizar o processo, não automatizar a obediência.
O verdadeiro poder está na combinação: consciência humana com inteligência artificial. Dados com valores. Informação com discernimento.
E para isso, precisamos de cidadãos digitais críticos. Que saibam questionar o código. Que exijam transparência no software de votação. Que não aceitem “confiança cega” nos sistemas. Porque mesmo quando tudo parece automatizado, a responsabilidade continua humana.
A tecnologia é o novo oráculo. Mas só nos dará boas respostas se formos capazes de fazer boas perguntas.
E se, no fim, em vez de um algoritmo todo-poderoso, for o povo — conectado, informado, deliberativo — a decidir… então sim, teremos finalmente uma democracia digna da sua própria era.
Nasce um novo cidadão. Não nasceu num berço dourado nem foi treinado em escolas de retórica clássica. Cresceu entre notificações, hashtags e notícias virais. É o Cidadão 2.0 — conectado, cético, sarcástico e perigosamente consciente.
Este cidadão já não lê jornais de papel, mas sabe usar agregadores de notícias. Já não espera quatro anos para se fazer ouvir — publica, partilha, denuncia, propõe. Já não confia cegamente em partidos ou líderes: confia em dados, experiências partilhadas e memes que, com uma boa dose de humor, desmontam ideologias.
A política para ele não é uma catedral — é uma oficina. Não é uma torre distante, mas uma rede que deve responder em tempo real. E quando não responde, ele cria uma petição. Um movimento. Um vídeo viral. Ou uma plataforma de voto que faz mais pela democracia em três dias do que muitos parlamentos em três décadas.
Mas não se enganem: este cidadão não é ingênuo. Está cansado de falsas promessas e de políticos que ainda usam fax. Ri-se do ridículo, expõe o absurdo, mas mantém uma esperança escondida atrás do sarcasmo. Porque no fundo… quer participar. Quer decidir. Quer ajudar a reescrever as regras do jogo.
E tem ferramentas. Usa plataformas de budget participativo. Vota online em assembleias locais. Participa em fóruns cívicos, hackathons democráticos e grupos de reflexão descentralizados. Encontra-se com outros cidadãos para redesenhar a democracia com um misto de indignação e criatividade.
O Cidadão 2.0 sabe que a democracia não é um estado estático, mas um processo iterativo. Sabe que errar é humano, mas repetir os erros
do sistema representativo é desnecessário. Sabe que a participação precisa de canais eficazes, não apenas de slogans inspiradores.
Sim, também escorrega. Também partilha fake news, também se distrai com vídeos de gatinhos. Mas aprende rápido. Corrige-se. Atualiza-se. E regressa mais forte, mais lúcido, mais determinado a não ser apenas um número no boletim de voto.
A política, para este cidadão, deve ser aberta como código-fonte. Auditável, legível, modificável. E mais: partilhada. Porque quem vive os problemas deve poder coescrever as soluções.
Talvez alguns políticos ainda não tenham percebido, mas o jogo mudou. A autoridade não é reverenciada — é interrogada. A liderança não é aceite — é testada. O respeito não é automático — é conquistado.
E no meio disso tudo, o humor. Sempre o humor. Porque o Cidadão 2.0 sabe que rir é uma forma de resistência. Que um meme bem feito pode ter mais impacto que um editorial. Que o sarcasmo é a língua franca de uma geração que aprendeu a não engolir tudo o que lhe dão.
É com memes e vontade que o novo cidadão ergue a sua cidadania. E talvez, com tempo, com rede, com coragem… seja ele a levar-nos do palco à praça. Da promessa à prática. Do “eles mandam” ao “nós fazemos”.
Dizem que de pequenino é que se torce o pepino. Mas talvez o segredo esteja não em torcer, mas em cultivar o cidadão desde cedo. Desde a idade em que se aprendem as cores, os números, as formas... e, por que não, os fundamentos da democracia.
Imagina um jardim de infância onde, em vez de se decidir de forma arbitrária se hoje se joga à bola ou se desenha, as crianças deliberam. Sim, deliberam. Sentam-se em roda e votam. Discutem, ponderam, elegem. Um levanta o braço: “Proponho que dividamos o tempo.” Outro diz: “Mas eu prefiro desenhar!” E nasce ali, entre risos e alguma birra, a primeira assembleia cidadã.
Parece brincadeira? Pois é — mas das sérias. Porque política não é só orçamentos e leis; é também escuta, empatia, negociação, respeito por decisões coletivas. E nada disto se ensina com manuais. Ensina-se vivendo.
Nas escolas, o ensino político é, quando existe, geralmente tardio e desinspirado. Datas, nomes, regimes, guerras, tratados. História congelada. E o aluno pergunta: “Mas o que é que isto tem a ver comigo?” E o silêncio responde.
A cidadania, essa, devia ser transversal. Devia ser vivida na prática: nas regras da turma, nas decisões sobre o recreio, na escolha do lanche coletivo. Devia haver orçamentos participativos escolares. Conselhos mistos com alunos e professores. Simulações legislativas que não sejam apenas teatros de papel — mas espaços reais de escuta e decisão.
Mais: devíamos ensinar as crianças a ler discursos, a detetar manipulações, a reconhecer falácias. A distinguir um
argumento válido de uma frase bonita. A resistir ao populismo como quem aprende a não comer tudo o que aparece no prato.
E acima de tudo, devíamos ensinar que o poder não é uma coisa distante, com fatos cinzentos e linguagem difícil. O poder é aquilo que exercemos quando decidimos juntos. Quando escutamos. Quando votamos com sentido.
Talvez, um dia, uma criança que aprendeu cidadania com Legos, ao chegar adulta, recuse participar numa política empedernida. Talvez olhe para um parlamento e diga: “Falta aqui escuta. Falta aqui partilha. Falta aqui… nós.”
E nesse dia, teremos construído — tijolo a tijolo, assembleia a assembleia — uma geração que já não aceita ser figurante.
Mas protagonista.
Diz-se que as leis e os chouriços são parecidos: é melhor não ver como se fazem. O ditado é antigo, mas ainda nos dá volta ao estômago. Porque, ao contrário do chouriço, que pelo menos alimenta, muitas leis saem do fumeiro político apenas para engordar interesses ou adiar decisões.
No coração da democracia deveria estar um código de ética vibrante, claro, inegociável. Mas, na prática, temos códigos de conduta redigidos como manuais de boas maneiras em casamentos de conveniência. Documentos longos, complicados, muitas vezes ignorados ou violados com a leveza de quem atravessa fora da passadeira quando ninguém vê.
Transparência tornou-se uma palavra bonita para discursos de domingo e painéis de conferência. Mas quando se vai à prática… começa o nevoeiro.
Ora vejamos: financiamentos partidários opacos, nomeações cruzadas, familiares em cargos estratégicos, ajustes diretos com justificações poéticas, favores trocados em almoços discretos. E depois, claro, a famosa frase: “Nada de ilegal foi feito.” Porque ética não é o que é legal — é o que é decente.
Em muitas democracias, a linha entre o aceitável e o abjeto é desenhada com lápis de cera. O resultado? Um sistema onde ser honesto é um ato de resistência, e não de rotina.
Mas há solução. Começa com regras claras, sem exceções douradas:
Limites reais a mandatos e cumulatividade de funções.
Proibição total de portas giratórias entre poder público e empresas reguladas.
Publicação automática de todos os contratos, votos e pareceres — com linguagem acessível.
Registo público de interesses, de lobbies, de reuniões.
Sanções sérias. Não multas simbólicas. Sanções que doam. Que desincentivem. Que exijam responsabilidade.
Mas, mais do que leis, precisamos de cultura de transparência. Que ser escrutinado não seja visto como perseguição, mas como parte do ofício. Que mostrar os bastidores não seja um ato heroico, mas o normal.
E, acima de tudo, que o povo tenha ferramentas para vigiar. Para fiscalizar. Para interferir. Porque o verdadeiro anticorpo contra a corrupção não é o medo da justiça — é o olhar do cidadão atento.
Claro, há quem diga: “Sempre foi assim.” Mas essa frase, usada como desculpa, é uma receita para o apodrecimento cívico. Porque se sempre foi assim, então está mais do que na hora de deixar de ser.
E sim, até podemos continuar a fazer chouriços. Mas que pelo menos o façamos com os ingredientes à vista, sem carne estragada, e sem fingir que o fumo serve para esconder o cheiro.
Durante séculos, a praça foi o lugar da voz. A pedra da rua ainda guarda ecos de decisões tomadas em comum, de discursos improvisados e de assembleias espontâneas. Depois vieram os edifícios de mármore, os parlamentos de tapete grosso e voz ecoante, onde o povo deixou de caber — e passou a ser apenas representado.
Mas a praça não morreu. Reencarnou. Em auditórios improvisados, fóruns digitais, plataformas de debate e assembleias cidadãs que brotam por todo o lado como cogumelos em tempos de humidade democrática.
As assembleias cidadãs são a resposta moderna ao desgaste da representação tradicional. São compostas por grupos aleatórios mas representativos — sorteados como júris cívicos — que estudam, ouvem especialistas, discutem e propõem soluções sobre temas complexos. E não, não se trata de opinião de café: trata-se de deliberação profunda, ponderada, muitas vezes mais séria do que a que se vê nos parlamentos.
O seu segredo? Tempo, diversidade, escuta e moderação justa. Ninguém grita. Ninguém impõe. Toda a gente fala. Toda a gente aprende.
Na Irlanda, foi uma assembleia cidadã que preparou o terreno para o referendo sobre o aborto — com mais cuidado, mais empatia e mais verdade do que décadas de parlamento. Em França, a Convenção Cidadã para o Clima deu origem a propostas concretas e disruptivas. E em muitos municípios europeus, estas assembleias são já parte do processo político — com resultados mais humanos e mais lúcidos.
Mas podemos ir mais longe.
Podemos torná-las digitais. Permanentes. Open source. Com algoritmos que garantam inclusão, com tradutores automáticos, com plataformas que favoreçam o diálogo em vez da polarização. Com tecnologia que amplifique a escuta — não o ruído.
Podemos criar fóruns onde cada cidadão, independentemente da idade ou do diploma, tenha acesso a informação clara, possa refletir, debater, propor. Onde as ideias não sejam medidas em “likes”, mas em argumentos.
Porque deliberar não é o mesmo que opinar. Opinar é imediato, reativo. Deliberar é escutar, ponderar, negociar, construir em conjunto. E para isso precisamos de cultura democrática. Precisamos de ensinar, desde cedo, que mudar de opinião não é fraqueza — é evolução. Que ouvir o outro não é rendição — é maturidade. Que decidir em conjunto não é caos — é civilização.
As assembleias cidadãs são o laboratório da nova democracia. E talvez sejam mais do que isso. Talvez sejam o remédio que faltava para curar o cinismo político.
Porque quando alguém comum tem acesso a informação, tempo e respeito… algo muda.
Descobre-se que não somos assim tão diferentes. Que a maior parte das pessoas, quando ouve e é ouvida, quer o bem comum. Quer justiça. Quer equilíbrio. Quer paz. Quer dignidade.
E esse é o verdadeiro milagre das assembleias: descobrir que o “nós” é possível.
Não é um pássaro. Não é um avião. Não é um génio visionário com um plano infalível. É algo bem mais poderoso — e ao mesmo tempo mais desprezado pelos poderosos: a inteligência coletiva.
Durante demasiado tempo, fomos ensinados a confiar em iluminados. Em grandes homens, em líderes carismáticos, em salvadores providenciais. Mas a história mostra que os impérios erguidos em nome de um só acabam por cair sobre os ombros de muitos.
Chegou a hora de mudar o foco. De sair do culto do ego e mergulhar na potência do nós. Porque quando se reúne um grupo diverso, informado, com tempo e espaço para refletir, nasce algo que nenhum indivíduo sozinho consegue criar: sabedoria compartilhada.
A inteligência coletiva não é ruído de manada. Não é opinião de multidão mal informada. É pensamento tecido em rede. É deliberação entre diferentes. É síntese entre contrários. É, talvez, o que mais se aproxima de um cérebro democrático.
E o que ela exige?
Diversidade real — de idades, de géneros, de culturas, de origens.
Escuta ativa — aquela que ouve para compreender, não para responder.
Acesso a informação clara, honesta, contraditória.
Moderação ética, que garanta equidade e contenha monopolizadores.
Tempo — algo que a política imediatista já desaprendeu a respeitar.
Quando estas condições estão presentes, os resultados são espantosos. Surgem soluções inesperadas, criativas, equilibradas. As tensões não desaparecem — mas tornam-se férteis. E o que parecia impossível de resolver, começa a desenhar caminhos.
Claro, isto assusta os que preferem decidir entre portas fechadas. Porque a inteligência coletiva é incómoda para o poder vertical. É imprevisível. É incorruptível. É, acima de tudo, incontrolável.
Mas é também a nossa melhor esperança. Num mundo saturado de ruído, de mentiras, de simplificações perigosas, precisamos de relembrar que pensar em grupo é possível — e desejável.
Podemos usar tecnologia para facilitar esse pensamento: fóruns bem moderados, plataformas de deliberação, inteligência artificial para organizar e traduzir ideias. Mas nada disso substitui o essencial: a vontade de construir em conjunto.
Mais do que opiniões, precisamos de argumentos. Mais do que indignação, precisamos de proposta. Mais do que slogans, precisamos de visão. E para isso, ninguém chega lá sozinho.
A inteligência coletiva não é utopia. É prática. É mensurável. É testada todos os dias em equipas que funcionam, em comunidades que decidem, em assembleias que deliberam. E quanto mais a praticamos, mais ela cresce. É como músculo: fortalece-se com uso.
Sim, teremos de abdicar de certezas absolutas. De verdades únicas. De lideranças messiânicas. Mas em troca, ganharemos algo maior: uma democracia que pensa com milhões de sinapses — e um só coração.
A cada escândalo político, surge a mesma fantasia coletiva: “E se um dia fôssemos governados por máquinas? Por inteligências artificiais sem sede de poder, sem vaidade, sem contas offshore?” A ideia é tentadora. Afinal, o algoritmo não mente, não trai, não se candidata à reeleição. Pelo menos, em teoria.
Mas uma democracia automatizada não é necessariamente uma democracia melhor. Antes de entregarmos as chaves do parlamento a uma máquina, convém perguntar: o que significa realmente governar?
Governar não é apenas calcular eficientemente. É tomar decisões com base em valores. É escolher entre o que é eficaz e o que é justo. É pesar consequências que não cabem numa fórmula.
E a IA, por mais sofisticada que seja, não sente. Não tem empatia. Não percebe o significado de “dignidade”. Não compreende o choro de uma mãe nem o silêncio de um desempregado.
Sim, a IA pode ajudar — e muito. Pode analisar dados em tempo recorde, prever impactos, detetar incoerências, antecipar crises. Pode auxiliar na construção de políticas públicas mais racionais. Pode propor alternativas baseadas em evidência e simular os efeitos de decisões. Pode até alertar para desigualdades invisíveis.
Mas decidir? Decidir é humano.
Porque toda decisão política é, em última instância, um ato de escolha entre valores. E os valores não se programam — cultivam-se.
Ainda assim, não devemos temer a IA. Devemos domá-la. Exigi-la transparente, auditável, explicável. Devemos integrá-la como conselheira, não como rainha. Como ferramenta de democratização,
não como ditadora algorítmica. Devemos usá-la para aumentar a capacidade crítica dos cidadãos, e não para os transformar em figurantes de um espetáculo digital.
E acima de tudo, devemos garantir que a tecnologia nunca seja usada como biombo para esconder responsabilidade. Se um algoritmo falha, a culpa não é do código — é de quem o escolheu. Porque não há neutralidade na programação. Cada linha de código reflete escolhas humanas, enviesamentos, omissões.
No fundo, o debate sobre IA na governação é o mesmo de sempre: quem manda em quem? A tecnologia em nós, ou nós na tecnologia?
Se for para ter máquinas no governo, que seja para aumentar a inteligência coletiva — não para substituir a consciência coletiva.
Porque, sejamos francos: se é para sermos governados por seres frios, sem emoção e com discurso programado… já temos muitos exemplos em carne e osso.
Durante demasiado tempo, habituámo-nos à lógica do “eles”. Eles governam. Eles sabem. Eles decidem. Eles cuidam. Eles escolhem o que é melhor para todos, mesmo quando não sabem o nome de um só vizinho nosso.
E nós?
Assistimos. Comentamos nas redes. Partilhamos indignações. Protestamos — às vezes. Votamos — de longe a longe. E no resto do tempo? Desligamos. Porque aprendemos, com amargo treino, que quem decide está noutro patamar, num outro mundo, inacessível como o topo de uma torre blindada com selos da república e portas giratórias.
Mas algo está a mudar.
O “nós” começa a acordar. A levantar a cabeça. A abrir os olhos. Começa a perceber que não basta esperar milagres de cima. Que a transformação não vem de discursos, mas de decisões partilhadas. Que a política não é um clube — é um direito, e mais: é um dever cotidiano.
E com isso, emerge uma ideia revolucionária na sua simplicidade: e se fôssemos nós a participar?
Não uma vez de cinco em cinco anos, mas regularmente. Não com slogans, mas com propostas. Não só em manifestações, mas em assembleias, conselhos, fóruns, plataformas. E se o poder voltasse ao seu ponto de origem: o povo?
E o que isso exigiria?
Novas instituições mais porosas, mais horizontais, mais acessíveis.
Processos de escuta real, com capacidade de influência vinculativa.
Ferramentas digitais seguras, transparentes e auditadas pelo próprio povo.
Educação política desde a infância até à velhice — porque cidadania não tem prazo de validade.
Rotinas participativas nas escolas, nos bairros, nas empresas, nas cooperativas, nas autarquias.
E acima de tudo: coragem. Coragem para abrir mão do controlo absoluto. Para confiar no outro. Para reconhecer que o “nós” é mais inteligente do que qualquer “eu” ungido.
Sim, haverá conflitos. Sim, haverá erros. Mas ao menos serão nossos erros, e deles nascerão nossas soluções.
A transição do “eles decidem” ao “nós participamos” não é utopia. É prática. Já existe em muitos lugares. Cresce como semente entre
calçadas cinzentas. Alimenta-se de esperança teimosa e de cansaço transformado em proposta.
E há algo de profundamente belo nisto: saber que, no meio do ruído, ainda há quem acredite no poder do comum. No valor da construção coletiva. No ato simples de sentar, ouvir, propor, votar, rever, tentar outra vez.
Esse é o novo cidadão. Esse é o novo pacto. Esse é o verdadeiro poder constituinte.
E se um dia o sistema estremecer… não será porque um partido venceu.
Será porque o povo acordou.
Parabéns, cidadão-leitor. Se chegaste até aqui, é porque resististe à tentação de mudar para a Netflix, ignorar o ruído ou simplesmente desistir. Estás oficialmente pronto para montar a tua própria democracia direta. E como qualquer boa ferramenta IKEA, ela vem em kit — com instruções duvidosas, peças em excesso (ou em falta) e um parafuso que ninguém sabe onde encaixa.
Mas não te preocupes. Aqui vão as instruções claras. Ou quase.
1 Constituição (preferencialmente atualizada e sem buracos legais);
1 punhado de cidadãos atentos e teimosos;
1 plataforma digital com voto seguro e transparente (sem bugs, sem lobbies);
1 rede de assembleias locais com cadeiras desconfortáveis e café comunitário;
Várias doses de empatia, escuta e paciência (renováveis);
Ferramentas de deliberação, votação, proposta e fiscalização;
Manual de ética e transparência em papel reciclado e linguagem simples;
1 chave de fendas cívica para ajustar sistemas desalinhados.
Retira a apatia da caixa com cuidado. Pode estar presa com fita adesiva institucional.
Encaixa o voto na base da decisão. Evita que fique bamboleante.
Liga os cidadãos ao sistema. Verifica que as ligações são bidirecionais — participação sem escuta é só teatro.
Ajusta a transparência. Se vires fumo, há opacidade a mais ou ética a menos.
Usa a chave de fendas com firmeza. Algumas peças antigas resistem à mudança — insiste.
Consulta o manual quando tiveres dúvidas. E, se o manual for inútil, escreve um novo — com o povo.
Não percas parafusos. Especialmente os mentais.
Este kit não funciona em ambientes com excesso de arrogância ou escassez de tempo para ouvir.
Manuseia com cuidado: a democracia direta é frágil — mas resistente se cuidada com amor e sentido de justiça.
Pode causar alergia a autoritarismo, a fanatismo e a teorias da conspiração com cheiro a naftalina.
Não funciona com populismo corrosivo. Consulta um cívico antes de usar.
Válida apenas se montada e usada por todos. Não há peças de substituição para a confiança. A manutenção é diária, feita com mãos sujas de participação e olhos bem abertos.
Este kit não é um fim.
É o começo daquilo que poderíamos ter sido. Daquilo que ainda podemos ser. Daquilo que, talvez, finalmente vamos construir juntos.
✨ E assim termina o livro.
Mas começa a oficina da democracia.
Chave de fendas na mão?
Vamos a isso.
Texto original e concepção da obra:
Colaboração na redação, edição e sátira política: com o apoio criativo de ChatGPT (OpenAI)
Geração de imagens e ilustrações digitais: Composições visuais desenvolvidas com auxílio de inteligência artificial – ChatGPT + ferramentas de imagem generativa OpenAI.
Compilação, estruturação editorial : Assistido por ChatGPT, com revisão e supervisão do autor.
Este livro é dedicado à minha amada esposa Fernanda, companheira de vida, de silêncio e de sonhos, e aos meus queridos filhos, Susana e André, que são luz, razão e continuidade nesta caminhada que sempre quis justa, livre e humana.
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