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Capa do Livro

Dedico este livro a

A Fernanda, companheira de todas as jornadas,
Ao André e à Susana, orgulho do meu caminho,
Às minhas netas Matilde e Sara, luz que ilumina o amanhã.

Este livro é para vocês — por tudo o que foram, são e me inspiram a ser.

Sobre o Autor

Francisco Gonçalves é programador informático, escritor e pensador inconformado. Com mais de quatro décadas de experiência em tecnologias de informação, sempre uniu a lógica do código à inquietação filosófica. Observador crítico da sociedade portuguesa, dedica-se à escrita de ensaios, crónicas e reflexões sobre a condição humana, a liberdade e os ciclos invisíveis que governam as nossas vidas.

Sobre o Livro

Fragmentos do Código dos Mortos é uma viagem lúcida e poética ao interior do ser humano. Através de nove ensaios que abordam temas como a sobrevivência, a mediocridade, o conformismo e o despertar, Francisco convida o leitor a questionar a programação invisível que herdamos dos que já partiram. Este não é um livro para confortar — é um livro para inquietar. Uma faísca que desafia o leitor a acender a sua própria fogueira de consciência.

Índice do Livro

Capítulo 1 – O Código dos Mortos

Capítulo 2 – A Máquina de Sobrevivência

Capítulo 3 – O Peso do Nome e da Terra

Capítulo 4 – A Fogueira das Crenças

Capítulo 5 – O Silêncio da Razão

Capítulo 6 – Viver ou Repetir?

Capítulo 7 – O Eterno Retorno da Mediocridade

Capítulo 8 – Os Insubmissos e o Futuro

Capítulo 9 – A Rebelião Interior

Capítulo 1 – O Código dos Mortos

Sempre me perguntei porque somos o que somos. E talvez Eduardo Punset tenha tocado no nervo certo quando falou da nossa maquinaria biológica. Fomos programados, sim — mas não para mudar. Fomos programados para sobreviver. A mudança assusta. A segurança atrai. O cérebro, esse velho artesão da adaptação, prefere o caminho gasto à vereda nova. Desde os tempos em que nos reuníamos à volta do fogo, o medo do desconhecido era acalmado com histórias, com crenças, com mitos reconfortantes. E esses mitos ficaram. Foram passados como herança genética. Estão gravados no nosso ADN com letras de fogo, mais fortes que a razão, mais antigos que a lógica. Não fomos moldados para questionar. Fomos treinados para repetir. Para seguir o modelo dos que vieram antes — os pais, os avós, os bisavós. Todos a correrem pela vida dentro agarrados à ideia de que segurança é sinónimo de sentido. E o mais curioso é que, no fundo, tudo isso se mantém. Continuamos, em pleno século XXI, a obedecer a um código invisível. Um código feito não por nós, mas por aqueles que já cá não estão. Um código dos mortos. E este código não é apenas uma metáfora. É real. Está presente quando escolhemos uma profissão que não amamos porque “dá segurança”. Está presente quando aceitamos uma vida que não nos desafia porque “é assim que sempre se fez”. Está presente quando calamos a dúvida porque a voz da tradição grita mais alto. Está em cada gesto automático, em cada decisão sem reflexão, em cada medo herdado. A maior parte das nossas escolhas, se formos honestos, são ecos — não gritos próprios. Repetimos o passado e chamamos-lhe prudência. Ouvimos as vozes antigas dentro da cabeça e convencemo-nos de que somos nós a decidir. Mas não somos. Somos o produto de um código que corre sem nos pedir licença. Um script que alguém escreveu há milhares de anos, e que nós apenas continuamos a executar. Mas talvez… talvez possamos interromper essa execução. Talvez possamos olhar para dentro e perceber que há mais — que há espaço para a dúvida, para o rasgo, para a criação de algo novo. Talvez o verdadeiro salto evolutivo não seja tecnológico, nem biológico — seja mental. Um salto em que deixamos de ser executores do código dos mortos e começamos a ser autores do nosso próprio caminho. Não é fácil. Vai contra tudo o que nos ensinaram. Mas talvez — só talvez — valha a pena tentar.

Capítulo 2 – A Máquina de Sobrevivência

Nunca fomos feitos para saber. Fomos feitos para sobreviver. O cérebro humano, essa maravilha evolutiva que nos enche de vaidade, não nasceu para descobrir a verdade — nasceu para evitar a morte. E é aqui que começa o grande equívoco. Pensamos que somos criaturas racionais, seres iluminados pelo saber, escultores do nosso destino com martelo e cinzel. Mas, na realidade, somos animais cautelosos, moldados por milhões de anos de fuga ao perigo, à fome e à solidão. Cada sinapse, cada impulso, cada reflexo — tudo está, no fundo, desenhado para que o corpo continue vivo. A verdade? Só interessa se não ameaçar o instinto. O cérebro não quer saber se uma crença é verdadeira. Quer saber se acalma. Não quer saber se um discurso político é justo. Quer saber se nos dá segurança. Não quer saber se um caminho é livre. Quer saber se já foi trilhado por muitos. É por isso que seguimos líderes que nos embalam com promessas ocas. É por isso que preferimos uma mentira reconfortante a uma dúvida desconfortável. É por isso que resistimos tanto à mudança — porque o novo é risco, e o risco é morte… ou, pelo menos, é o que o cérebro sussurra. Este órgão magnífico que transportamos entre as orelhas é, antes de tudo, uma central de alarmes. Um guardião do possível, e não um explorador do impossível. E por mais livros que leias, ideias que tenhas, planos que faças — ele vai, subtilmente, tentar puxar-te de volta para a zona segura, para a rotina, para o hábito. Vai tentar convencer-te de que a revolução interior é perigosa. Que pensar diferente é pecado. Que sentir profundamente é fraqueza. Mas há momentos raros… momentos em que algo se solta. Quando a curiosidade vence o medo. Quando a dúvida grita mais alto que o conforto. Quando nos apercebemos de que viver não é só sobreviver. É aí que o cérebro, esta máquina treinada para fugir, se transforma. Não deixa de ser uma máquina de sobrevivência, mas torna-se uma ferramenta de libertação. E a libertação, meu amigo, começa sempre por dentro. Porque sobreviver não é viver. E viver é muito mais do que repetir batimentos cardíacos. Viver é questionar o código. É programar de novo.

Capítulo 3 – O Peso do Nome e da Terra

Antes de sabermos quem somos, já alguém nos deu um nome. Antes de escolhermos o caminho, já nos desenharam o mapa. Antes de ousarmos sonhar, já nos disseram onde pertencíamos. Chamaram-me Francisco. Gonçalves, por linha paterna. E nesse nome, vieram coladas histórias que não escrevi, lutas que não travei, culpas que não cometi, silêncios que não compreendi. O nome é herança. E como toda a herança, traz consigo pesos e promessas, orgulhos e limites. Mas não é só o nome. É também a terra. Nascemos num sítio. E esse sítio cola-se à pele. No meu caso, foi junto aos trilhos da CP, no coração da Beira Baixa. Ali onde a paisagem fala em murmúrios de xisto, onde o silêncio é interrompido apenas pelo apito distante de um comboio solitário. Ali, onde a tradição é mais forte do que o vento. E ali cresci, embalado por vozes que me diziam quem eu era — ou devia ser. A terra onde nasces não te pergunta se a queres. A cultura que te envolve não te pede opinião. As crenças, os rituais, os “é assim” e os “sempre foi” — tudo isso entra pela tua vida dentro como uma avalanche de sentidos já pré-definidos. É bonito, sim. É conforto. Mas também é prisão. Tantas vezes senti esse peso. O de ser “o filho de”, “o rapaz de Caria”, “o neto daquela senhora que…”. E se, por um momento, ousava sonhar diferente, ou partir para outro lugar, ou pensar de forma pouco ortodoxa, logo sentia o puxão da raiz. Não uma raiz que alimenta, mas uma que prende. O nome e a terra são âncoras. Podem ser belas âncoras — feitas de memória, amor, pertença. Mas também podem ser grilhões — de expectativas, dogmas, medo. Acordar é perceber isso. É aceitar o nome com gratidão, mas não com submissão. É amar a terra sem a confundir com o destino. É saber que somos mais do que aquilo que nos foi dado — que também podemos dar nome ao que somos, plantar novas terras em nós mesmos. Talvez sejamos filhos da terra, sim. Mas também podemos ser jardineiros do céu. E nesse céu que é a liberdade interior, o nome deixa de ser rótulo — passa a ser assinatura. E a terra… a terra passa a ser ponto de partida, não ponto de chegada.

Capítulo 4 – A Fogueira das Crenças

Imagina-te há quarenta mil anos, envolto na escuridão. O vento sopra entre as árvores. Os uivos ecoam na floresta. O frio corta. E ali, ao centro da pequena tribo, brilha uma fogueira. É mais do que calor. É refúgio. É mais do que luz. É explicação. Foi ali, ao redor das chamas, que as primeiras crenças nasceram. Não como fruto da razão, mas como resposta ao medo. O trovão era um deus zangado. A doença, uma maldição. A colheita boa, um sinal dos espíritos. E a colheita má… castigo por algo feito ou esquecido. Era necessário sentido. Era urgente transformar o caos em narrativa. E assim se criaram os mitos, as fábulas, os rituais. Não porque fossem verdadeiros, mas porque funcionavam. O cérebro humano, como já vimos, quer sobreviver — e as crenças servem para isso. Dão ordem ao desordem. Dão controle ao incontrolável. Mas a crença, quando se instala, quer mais. Quer perpetuar-se. Ela transforma-se em doutrina, em moral, em sistema. E passa a ser defendida como se fosse vida. Porque, para muitos, é. A fogueira foi-se tornando templo. O xamã virou sacerdote. O mito virou dogma. E o medo… nunca deixou de arder. Mesmo hoje, com satélites a observar o universo e ciência a esmiuçar a matéria, ainda dançamos à volta de novas fogueiras. Chamam-se ideologias. Chamam-se partidos. Chamam-se influencers. Mas o impulso é o mesmo: encontrar conforto num enredo. Acreditar em algo que nos proteja da vertigem do não saber. As redes sociais são fogueiras digitais. Os algoritmos, sacerdotes invisíveis que alimentam crenças com mais crenças. E assim nos perdemos na bolha, julgando que estamos informados — quando apenas fomos embalados. O problema não é acreditar. É acreditar sem perceber porquê. É deixar que a crença substitua a dúvida. É usar a fé como tampa para o pensamento. O que proponho não é ateísmo, nem cinismo, nem arrogância intelectual. É uma nova fogueira — não de medo, mas de curiosidade. Uma fogueira onde as perguntas sejam mais sagradas que as respostas. Onde o espírito da tribo não esteja em repetir, mas em explorar. A crença que nasce do medo aprisiona. A que nasce da liberdade, liberta. E tu, leitor, em que fogueira tens aquecido a tua alma?

Capítulo 5 – O Silêncio da Razão

Vivemos convencidos de que somos seres racionais. Acreditamos piamente que as nossas decisões são lógicas, ponderadas, fruto de análise cuidada. Mas se assim fosse, o mundo não estaria onde está. A razão, coitada, vive calada. Habita em nós, mas raramente é ouvida. É como aquele velho sábio na praça da aldeia — toda a gente o respeita, mas ninguém o consulta. Na maior parte das vezes, decidimos com o estômago, com o coração, com o medo, com o que nos disseram. E depois usamos a razão como advogado — para justificar o que já decidimos emocionalmente. Compramos porque sentimos. Seguimos líderes porque nos acenam com promessas. Votamos por medo, por pertença tribal, por ressentimento — e chamamos-lhe “convicção política”. A razão não grita. Não seduz. Ela sussurra, num canto da consciência, enquanto o mundo corre atrás do próximo slogan. A sociedade moderna é um espetáculo de emoções inflamadas. Basta ver um telejornal, uma campanha eleitoral, uma guerra ideológica nas redes. Tudo é sobre “o que sentes”, “com quem te identificas”, “quem te faz sentir protegido”. A razão? Está na cave. Trancada com as velhas enciclopédias, os manuais de lógica, os tratados de ética. Não porque falhou — mas porque não grita alto o suficiente para o ruído da época. E isso não é novo. Mesmo nas épocas douradas do pensamento, os filósofos eram poucos. Os que ousavam pensar contra a maré eram perseguidos, ridicularizados, queimados. A razão sempre foi uma chama frágil, tremendo ao vento do fanatismo e da superstição. Hoje, não é diferente. Vivemos num tempo de luzes artificiais, mas de escuridão crítica. Nunca tivemos tanto acesso à informação. E nunca fomos tão manipuláveis. O que falta não é conhecimento. É discernimento. Falta o silêncio interior para escutar a razão. Falta a coragem para ouvir aquilo que pode contrariar os nossos desejos. Falta o treino — porque pensar exige esforço. E esforço, neste tempo de atalhos, é quase um insulto. Mas ainda acredito. Acredito que, em cada geração, há quem ouça esse sussurro. Quem resista ao apelo fácil da emoção cega. Quem, no meio da gritaria, se incline para escutar o velho sábio. Esses — os que pensam — não são muitos. Mas fazem toda a diferença.

Capítulo 6 – Viver ou Repetir?

A maior ilusão da existência humana é a de que estamos a viver. Mas na verdade, na maioria dos dias, apenas repetimos. Repetimos gestos, rotinas, frases feitas. Repetimos os erros dos pais, os silêncios dos avós, os medos dos tataravós. Repetimos caminhos seguros, receitas de sucesso, padrões de amor que nem sabemos se nos servem. Acordamos, trabalhamos, comemos, dormimos. Dizemos “está tudo bem” quando tudo arde por dentro. Sorrimos por cortesia, aceitamos por hábito, calamos por educação. Vivemos, ou apenas copiamos vidas já vividas? A infância é o único momento em que talvez tenhamos um vislumbre de autenticidade. Brincamos sem guião, perguntamos sem pudor, choramos sem vergonha. Mas rapidamente o mundo nos ensina o código: “Não faças isso.” “Não digas aquilo.” “Não sejas assim.” E assim começa a farsa. Vestimos a máscara. Ensaia-se o papel. E a peça recomeça. Chamamos-lhe maturidade. Mas é rendição. A escola ensina a obedecer. O emprego ensina a não pensar demais. A família, muitas vezes, ensina a manter as aparências. E nós, cordeiros bem treinados, dizemos que somos livres. Mas há um momento. Às vezes aos vinte, outras aos cinquenta. Um instante fugaz em que algo estala. Um livro, uma perda, uma viagem, uma solidão profunda. E nesse momento, a pergunta rasga: “É isto viver?” Se tivermos coragem, não fugimos da pergunta. Se tivermos alma, não aceitamos a resposta fácil. Viver é ousar. É correr riscos. É dizer não quando todos dizem sim. É seguir um caminho que ninguém percorreu — e talvez falhar, mas falhar em nome próprio. Repetir é seguro. Viver é perigoso. Mas só quem vive pode dizer, com verdade, que existiu. O resto são cópias. E tu, leitor — estás a viver… ou só a repetir?

Capítulo 7 – O Eterno Retorno da Mediocridade

Há algo que regressa sempre, como as estações, como a dívida pública, como os discursos políticos em véspera de eleições: a mediocridade. Ela não chega com fanfarras, nem com botas cardadas. Chega de mansinho. Senta-se à nossa mesa. Diz que só quer ajudar. Diz que não vale a pena sonhar alto. Diz que é melhor não arriscar, não abanar muito o barco. A mediocridade veste fato e gravata. Sorri com simpatia. É educada, previsível, pontual. E por isso conquista o poder. Vemos isso em todo o lado: Na política, onde os melhores fogem e os piores multiplicam-se. Na educação, onde se nivela por baixo “para não excluir ninguém”. Na cultura, onde se premeia o fácil, o popular, o inócuo. Na empresa, onde o que mais sobe é quem menos ameaça. A mediocridade tem horror à excelência. Sente-se desconfortável com o brilho dos que ousam, criam, reinventam. Por isso, corta-lhes as asas com comissões, regulamentos, reuniões e rótulos. “Não é assim que se faz.” “Temos de respeitar os processos.” “Não queiras ser diferente.” — são as frases do seu evangelho. E pior: ela convence-nos de que está a proteger-nos. Mas o que ela está a fazer é adormecer-nos. Está a instalar a ideia de que “ser bom” é suspeito. De que “pensar diferente” é perigoso. De que “ir além” é arrogância. A mediocridade adora a estabilidade. Mas não é estabilidade — é estagnação. Adora a paz. Mas é uma paz podre, sem pulso, sem grito, sem vida. E assim o país vegeta. As ideias morrem no papel. Os jovens partem. Os velhos desistem. E os espertos do costume continuam a mandar. Mas há sempre os que não se calam. São os que incomodam nas reuniões. Os que desafiam consensos. Os que, mesmo sozinhos, não se vergam. Esses, por vezes, são ostracizados, ignorados, caricaturados. Mas são eles que acendem a centelha. Porque é preciso pouco para manter a mediocridade. Mas basta uma faísca para a incendiar. E tu, leitor — estás a soprar cinzas… ou a acender faíscas?

Capítulo 8 – Os Insubmissos e o Futuro

Nem todos obedecem. Há sempre uns quantos — poucos, dispersos, por vezes solitários — que não se encaixam. Desde cedo, sentem o desconforto do mundo como ele é. Não se deixam anestesiar pelas fórmulas de sucesso, pelas promessas dos partidos, pelas tradições sem alma. São os insubmissos. Esses não se contentam com o papel que lhes foi escrito. Rasgam o guião. Perguntam o que não se deve perguntar. Dizem o que incomoda. Fazem o que ninguém ousa. Pagam o preço — sim. São rotulados de rebeldes, de lunáticos, de arrogantes. A sociedade teme-os, mas finge tolerância. O sistema tolera-os, mas mantém-nos à margem. Mas são eles que fazem o mundo girar. Enquanto os outros repetem, os insubmissos criam. Enquanto os outros obedecem, os insubmissos questionam. Enquanto os outros sobrevivem, os insubmissos vivem. E viver, quando todos apenas sobrevivem, é um ato revolucionário. Eles são os poetas que escrevem contra o vento. Os cientistas que não se curvam à ideologia. Os operários que se recusam a calar. Os jovens que não aceitam a resignação como destino. O futuro pertence-lhes — não porque o exijam, mas porque o constroem. Pedra a pedra, falha a falha, rasgo a rasgo. E é graças a eles que ainda há futuro. Porque sem insubmissão, não há mudança. Sem mudança, não há evolução. E sem evolução… há apenas repetição. Por isso, quando o mundo parecer escuro, ou demasiado ruidoso, ou estagnado… Procura os insubmissos. Estarão a plantar ideias num campo árido. Estarão a escrever livros que poucos leem. Estarão a programar sistemas livres em servidores esquecidos. Estarão a amar de forma diferente, a educar com liberdade, a resistir com dignidade. Eles são a semente. O amanhã é o fruto. E tu, leitor — estás a obedecer ao passado… ou a dar voz ao futuro?

Capítulo 9 – A Rebelião Interior

Há quem fale de revoluções como quem fala de épicos históricos — bandeiras ao vento, multidões nas praças, muros a cair. Mas a mais difícil, a mais temida, a mais profunda de todas… acontece por dentro. A rebelião interior não tem hino. Não tem palco. Não sai nas notícias. Mas é a semente de tudo o que se transforma no mundo. Rebelião interior é aquele momento em que algo em ti diz “não” — mesmo que tudo à tua volta diga “sim”. É quando deixas de seguir por seguir. Quando deixas de acreditar só porque sempre acreditaste. Quando olhas para o espelho e, em vez de te veres, vês um papel mal representado — e recusas continuar a farsa. Não é uma explosão. É uma fricção. Um desconforto persistente, como areia na alma. Um cansaço de seres quem esperam que sejas. Um impulso silencioso de voltares a ti. Mas atenção: a rebelião interior é perigosa. Ela rouba-te as certezas. Torna-te estranho para os outros — e às vezes para ti próprio. Faz-te sentir perdido, desenraizado, nu. E é por isso que muitos desistem. Voltam ao velho papel. Acomodam-se. Chamam “maturidade” à desistência. Chamam “realismo” ao medo. Chamam “equilíbrio” à anestesia. Mas quem não se rende à rebelião interior, renasce. Sai do ciclo. Vê o mundo com outros olhos. Passa a viver com uma integridade feroz — não perfeita, mas verdadeira. Esses rebeldes interiores não gritam nas ruas — iluminam nas entrelinhas. Questionam nas conversas de café. Desmontam dogmas nas entrelinhas dos livros. Plantam liberdade nos filhos. E vivem de forma tão autêntica que incomodam sem dizer uma palavra. São perigosos. Porque são livres. E num mundo onde tudo se compra, tudo se mede, tudo se controla… A liberdade interior é a última rebelião possível. E tu, leitor — estás pronto para essa guerra silenciosa?

Pósfácio – Notas e Influências

Este livro nasceu da inquietação antiga de compreender por que razão repetimos padrões, crenças e medos herdados, mesmo num mundo em constante mudança. E se houve um nome que acendeu essa centelha em mim, foi o de **Eduard Punset**. Com o seu livro *“Porque Somos Como Somos”*, Punset abriu-me a janela para a maquinaria biológica e emocional que nos guia, quase sempre sem darmos conta. A partir dele, mergulhei noutras leituras, outros mundos e outras consciências. Na juventude, entre os ecos das serranias da Beira Baixa e os ruídos do mundo moderno, mergulhei também em autores como **Friedrich Nietzsche**, que me ensinou a desconfiar das verdades fáceis; **António Damásio**, que me revelou a fusão entre emoção e razão; e **Bertrand Russell**, com a sua lógica afiada e o apelo à clareza no pensamento. Abaixo, partilho algumas das influências mais marcantes que, tal como rios subterrâneos, alimentaram estas páginas:

Neurociência e Psicologia Evolutiva

Eduard Punset – *Porque Somos Como Somos*

Antonio Damasio – *O Erro de Descartes*

Steven Pinker – *Tábula Rasa*

Filosofia e Existencialismo

Friedrich Nietzsche – Crítica à moral herdada, conceito de “transvaloração de valores”

Michel Foucault – Discursos, poder e normalização social

Jean-Paul Sartre – Liberdade como condenação e responsabilidade existencial

Bertrand Russell – Rigor lógico e crítica à superstição

Antropologia Cultural

Joseph Campbell – *O Herói de Mil Faces*

Yuval Noah Harari – *Sapiens: História Breve da Humanidade*

Crítica Social Contemporânea

Byung-Chul Han – *A Sociedade do Cansaço*, *Psicopolítica*

Zygmunt Bauman – *Modernidade Líquida*

Estas obras e autores não são citados diretamente nos capítulos, mas as suas ideias fluem pelas entrelinhas deste livro, como correntes subterrâneas que alimentam o rio principal desta reflexão. A leitura destes pensadores não é pré-requisito — mas pode ser o próximo passo. Para quem desejar ir além das páginas deste livro, estas são boas lanternas para levar na mão.

Francisco Gonçalves

Sobreda, Maio de 2025