Translate 🇬🇧
Capa de Revolução e Ruína

Revolução e Ruína – O 25 de Abril e os Dias do PREC

Índice

Uma análise crítica da transição portuguesa entre 1974 e 1976

Revolução e Ruína O 25 de Abril e os Dias do PREC

Uma análise crítica da transição portuguesa entre 1974 e 1976

Capítulo 1 — Portugal antes da Revolução

Na alvorada dos anos 70, Portugal era um país profundamente marcado por um regime autoritário que governava há quase meio século. O Estado Novo, fundado por António de Oliveira Salazar e continuado por Marcelo Caetano após 1968, apresentava-se como defensor da ordem, da moral tradicional e da unidade nacional. Mas por trás dessa fachada, escondia-se um país socialmente desigual, politicamente reprimido e economicamente em mutação.

Um regime em declínio

Salazar construíra uma ditadura de traços corporativistas, sustentada pela censura, pela polícia política (a PIDE/DGS) e por uma estrutura burocrática rígida. A Constituição de 1933 institucionalizara o regime como "democracia orgânica", mas na prática, Portugal vivia num ambiente de controlo e silêncio.

A oposição era marginalizada, a imprensa era censurada, os sindicatos eram controlados pelo Estado, e qualquer crítica era reprimida. Havia eleições, sim — mas os resultados estavam condicionados e o partido da União Nacional monopolizava o espaço político.

A sociedade portuguesa

Apesar da repressão política, Portugal conheceu nas décadas de 60 e 70 algum crescimento económico, graças à emigração massiva (que reduziu o desemprego e gerou remessas), ao investimento estrangeiro limitado e à industrialização parcial promovida por algumas políticas de abertura de Caetano.

O país começava a urbanizar-se, a classe média crescia, e em Lisboa, Porto ou Setúbal, surgia um tecido industrial significativo. As universidades expandiam-se, e o número de licenciados aumentava. Mas os contrastes eram gritantes: a maioria da população rural vivia sem eletricidade, sem cuidados médicos decentes e com níveis de escolaridade baixíssimos.

A economia industrial

Antes do 25 de Abril, Portugal possuía:

- Estaleiros navais (Lisnave, Setenave) com contratos internacionais e tecnologia de ponta;

- A Sorefame, referência no material circulante ferroviário;

- Uma Siderurgia Nacional que produzia aço de forma autossuficiente;

- Empresas de montagem automóvel como a Citroën, Renault e outras;

- Indústrias têxteis e corticeiras competitivas;

- Exploração mineira e produção energética próprias.

Era uma economia ainda frágil, mas com bases para o desenvolvimento autónomo e industrializado.

A guerra colonial e o desgaste do regime

Desde 1961, Portugal travava três guerras simultâneas em África — Angola, Moçambique e Guiné. Estas guerras coloniais consumiam cerca de 40% do orçamento do Estado, exigiam recrutamento obrigatório e mantinham mais de 100 mil militares em mobilização constante.

A guerra tornou-se o maior fator de desgaste do regime. Não apenas economicamente, mas moralmente e politicamente: isolava Portugal do mundo, mantinha-o fora da então Comunidade Económica Europeia, e alimentava o descontentamento nas Forças Armadas.

A oposição cresce nas sombras

Nos bastidores, multiplicavam-se os focos de resistência: estudantes, católicos progressistas, sindicalistas clandestinos, intelectuais. O Partido Comunista, ilegal mas ativo, organizava greves e resistência nas fábricas e nas regiões operárias. No estrangeiro, a oposição no exílio ganhava voz.

A pressão internacional também crescia: a ONU condenava a ocupação colonial, a opinião pública europeia denunciava a repressão, e o mundo olhava para Portugal como um anacronismo no coração de uma Europa em transformação.

A tempestade no horizonte

Em 1973, surgia um movimento dentro das próprias Forças Armadas: o MFA — Movimento das Forças Armadas — nascido do descontentamento dos capitães com as injustiças na progressão das carreiras e com a perpetuação da guerra.

O terreno estava preparado. A estrutura autoritária enfraquecia. A economia mostrava sinais de tensão. A juventude fervilhava. O regime, apesar da aparência de estabilidade, era um castelo de cartas à espera da primeira rajada.

E essa rajada chegaria, finalmente, na madrugada de 25 de Abril de 1974.

Capítulo 2 — O 25 de Abril: o golpe e a queda do regime

A madrugada de 25 de Abril de 1974 começou como tantas outras: silenciosa, expectante, marcada por uma Lisboa ainda adormecida. Mas por volta das 00h20, a canção "E Depois do Adeus", interpretada por Paulo de Carvalho, ecoou na rádio como primeiro sinal codificado para o início das operações do MFA — Movimento das Forças Armadas. Às 00h25, foi transmitida a segunda senha: "Grândola, Vila Morena", de Zeca Afonso. A revolução começara.

Um golpe militar sem sangue

Ao contrário de outras revoluções da história, o 25 de Abril destacou-se pela ausência de confrontos armados significativos. As tropas do MFA tomaram rapidamente os pontos estratégicos de Lisboa: o Aeroporto, a Emissora Nacional, os quartéis, os ministérios e os acessos rodoviários. A população, informada por transmissões de rádio e pelo boca-a-boca, acorreu às ruas em apoio visível e espontâneo aos militares revoltosos.

As flores entregues pelos populares — os cravos — tornaram-se o símbolo da revolução pacífica. Daí em diante, seria conhecida mundialmente como a “Revolução dos Cravos”.

A rendição de Marcelo Caetano

Marcelo Caetano, refugiado no Quartel do Carmo sob proteção da GNR, acabou por render-se pelas 19h30, após longas negociações com o comandante Salgueiro Maia. Exigiu entregar o poder apenas a um general de sua confiança. Foi o general António de Spínola quem recebeu formalmente o poder, ainda que sob coordenação do MFA.

O regime caía, não com uma explosão de violência, mas com uma simbólica e inesperada rendição — sinal do esgotamento político e institucional do Estado Novo.

O MFA e a promessa de transição

O MFA, composto essencialmente por capitães e majores desiludidos com a guerra colonial e com o bloqueio político interno, assumiu o controlo do país e comprometeu-se com uma transição para a democracia. Publicaram o Programa do MFA, onde assumiam o fim da guerra, o reconhecimento dos partidos políticos e a preparação de eleições livres.

Formou-se rapidamente uma Junta de Salvação Nacional, liderada por Spínola, e nas semanas seguintes foram libertados presos políticos, extinta a PIDE, abolida a censura e legalizados partidos como o PCP e o PS.

A explosão popular e o fim da contenção

Com a queda do regime, rebentou uma euforia de liberdade nunca antes sentida em Portugal. Greves, manifestações, ocupações de fábricas, escolas e terras sucederam-se a um ritmo alucinante. A ordem institucional foi substituída por uma vaga de participação popular que surpreendeu até os próprios militares do MFA.

O país passou, de um dia para o outro, do silêncio imposto pela ditadura ao ruído permanente da revolução. O que parecia ser um golpe militar controlado transformava-se, rapidamente, num processo político e social profundo, imprevisível e tumultuoso.

O PREC estava a caminho. E com ele, o maior período de instabilidade política da história recente de Portugal.

Capítulo 3 — O PREC: caos sob a bandeira da liberdade

O PREC — Processo Revolucionário em Curso — é o nome atribuído ao período entre abril de 1974 e novembro de 1975. Foi um tempo de revolução aberta, onde a liberdade conquistada nas ruas deu lugar a uma disputa feroz entre visões opostas para o futuro do país.

O início do descontrolo

Com a queda do regime, as forças políticas emergentes — nomeadamente o PCP, o PS, e mais tarde o PPD (futuro PSD) e o CDS — começaram a disputar o espaço deixado vazio pelo Estado Novo. Mas quem detinha, na prática, o poder real, era o MFA, dividido entre facções radicais e moderadas.

Logo nos primeiros meses, o país entrou num ciclo acelerado de greves, ocupações de fábricas, terras agrícolas, rádios, jornais e escolas. Os trabalhadores exigiam controlo operário, os camponeses reclamavam a reforma agrária, e a autoridade central diluía-se a olhos vistos.

Nacionalizações em massa

A partir de março de 1975, iniciou-se uma das maiores vagas de nacionalizações da Europa Ocidental em tempos de paz. Foram nacionalizados:

- Bancos e seguradoras

- Empresas industriais, químicas, metalúrgicas, cimenteiras

- Estaleiros navais e setores estratégicos de energia e transportes

Muitas dessas nacionalizações foram feitas sob pressão política e sem avaliação económica. Gestores e administradores foram afastados, muitas vezes por motivos ideológicos. O caos instalou-se na gestão, e a produtividade colapsou.

O ambiente nas ruas

Lisboa e o Porto tornaram-se palcos de manifestações diárias. Havia marchas pela revolução e marchas pela liberdade. A liberdade de imprensa, embora reconhecida legalmente, era sabotada de facto por ocupações de redações e tentativas de controlo político da informação.

As prisões encheram-se de antigos elementos do regime, empresários e funcionários públicos acusados de colaboração com o fascismo — muitos sem julgamento formal. A justiça foi temporariamente substituída pela política de rua.

O MFA em conflito

Dentro do MFA, abriram-se fraturas. De um lado, os moderados (como Melo Antunes e Ramalho Eanes), que desejavam uma transição para a democracia pluralista. Do outro, os radicais (como Otelo Saraiva de Carvalho), que viam no modelo cubano ou no socialismo africano uma inspiração revolucionária.

A divisão culminou na criação de dois documentos-chave: o Documento dos Nove, que defendia a moderação e a democracia representativa, e o Documento de Orientação Política (COPCON), que propunha o aprofundamento da revolução e do poder popular.

O desmoronar do Estado

Entre 1974 e 1975, quatro governos provisórios tomaram posse e caíram em sucessão vertiginosa. A autoridade do Estado estava fragmentada. Cada ministério era um feudo. Cada quartel, uma posição política. O país vivia numa espécie de guerra civil não declarada — ideológica, económica e institucional.

A tensão internacional

As potências internacionais observavam com apreensão o rumo da revolução portuguesa. Os EUA temiam um novo regime socialista à maneira soviética na Península Ibérica. A URSS, por seu lado, apoiava discretamente o PCP. Espanha, ainda sob Franco, acompanhava a instabilidade com receio de contágio revolucionário.

O apoio popular ao MFA dividia-se. Enquanto o interior rural se inclinava para a ordem e a autoridade, os centros urbanos estavam mobilizados numa euforia revolucionária que, progressivamente, se tornava anárquica e ingovernável.

A situação era insustentável. Algo teria de acontecer.

E aconteceria em breve, no dia 25 de Novembro de 1975.

Capítulo 4 — A destruição da base industrial

Se Portugal antes de 1974 já não era uma potência industrial, era, pelo menos, um país com alicerces sólidos para a construção de um modelo económico soberano. A queda do regime abriu possibilidades de democratização económica — mas também libertou forças políticas e sociais que, em nome da justiça e da redistribuição, levaram à destruição precipitada e, por vezes, irracional, de setores estratégicos.

O impacto das nacionalizações

As nacionalizações massivas de 1975 incluíram praticamente todos os bancos, seguradoras e dezenas de grandes empresas. Muitas delas eram rentáveis e tinham orientação estratégica própria. Após a nacionalização:

- Perderam-se quadros qualificados expulsos por motivos ideológicos;

- Foram nomeadas administrações sem experiência de gestão;

- O controlo operário substituiu a direção técnica;

- A produtividade caiu abruptamente;

- Os investimentos foram interrompidos;

- A confiança externa desapareceu.

Casos emblemáticos

A Sorefame, produtora de material ferroviário e exportadora reconhecida, perdeu contratos internacionais por desorganização interna. A fábrica entrou em declínio irreversível.

A Lisnave e a Setenave, estaleiros navais de prestígio europeu, viram-se submersos em greves constantes, ocupações e bloqueios. A instabilidade afugentou os clientes e destruiu a competitividade.

A Siderurgia Nacional, crucial para a independência industrial, sofreu cortes de investimento e uma gestão caótica. Acabou por ser desmantelada anos depois.

Empresas de montagem automóvel (Citroën, Renault, Volkswagen) diminuíram ou cessaram a sua atividade face à instabilidade laboral e à falta de incentivos.

O setor mineiro, já com dificuldades, foi abandonado, enquanto a indústria têxtil enfrentava greves sucessivas, perda de mercados e desorganização.

O colapso da produtividade

O resultado de tudo isto foi a queda acentuada da produtividade industrial entre 1974 e 1977. O país passou a depender de importações para produtos que antes produzia. A balança comercial deteriorou-se. A inflação disparou. O desemprego aumentou.

A economia portuguesa entrou numa espiral de crise prolongada, marcada por sucessivos resgates financeiros e pela dependência de ajuda externa, primeiro do FMI e depois da então CEE.

Fuga de capital e de quadros

A incerteza política e económica levou à fuga massiva de capitais para o estrangeiro. Banqueiros, industriais e empresários retiraram os seus ativos do país. Muitos quadros técnicos e especialistas emigraram, deixando as empresas sem liderança qualificada.

O clima de perseguição política

Muitos dirigentes empresariais foram afastados por alegadas ligações ao regime anterior, sem processo judicial. O critério político substituiu a competência. O ambiente tornou-se tóxico para o investimento e para a estabilidade organizacional.

A perda de soberania económica

Ao destruir a capacidade produtiva nacional, o PREC comprometeu a autonomia económica de Portugal. Quando o país aderiu à CEE, em 1986, já o tecido industrial estava profundamente debilitado.

Os fundos estruturais europeus viriam compensar a quebra produtiva — mas nunca restauraram a capacidade industrial perdida.

O país entrou num ciclo vicioso: consome o que não produz, importa o que antes exportava, e vive de serviços que não garantem soberania.

O sonho de uma economia nacional moderna, diversificada e autónoma foi afogado na precipitação, na ideologia e na descoordenação institucional.

O que se destruiu em nome do povo, acabou por empobrecer o povo durante décadas.

Capítulo 5 — O 11 de Março e o 25 de Novembro

Em 1975, o processo revolucionário português entrou num crescendo de tensão que culminaria em dois momentos-chave: o 11 de Março e o 25 de Novembro. Estes dois episódios marcariam a viragem da revolução, colocando fim à instabilidade e traçando o rumo para a democracia representativa. Foram também, porém, momentos de confronto, de medo e de redefinição do futuro nacional.

O 11 de Março de 1975: o golpe falhado de Spínola

Depois de ter assumido a liderança da Junta de Salvação Nacional, o general António de Spínola começou a mostrar-se cada vez mais desconfortável com o rumo radical da revolução. Defensor de uma transição moderada e de um Portugal multirracial, entrou em choque com os setores mais à esquerda do MFA.

No dia 11 de Março de 1975, um grupo de militares afetos a Spínola tentou um golpe de força. Tropas paraquedistas cercaram instalações militares em Lisboa, numa tentativa de inverter o rumo da revolução. O golpe, porém, foi rapidamente neutralizado pelo MFA com o apoio popular.

Spínola exilou-se em Espanha e o fracasso do golpe serviu como catalisador para a radicalização do processo revolucionário. No dia seguinte, iniciava-se a vaga de nacionalizações em massa. O país mergulhava mais fundo no modelo socialista revolucionário, com o PCP a ganhar espaço político e influência institucional.

A tensão acumulada

Entre março e novembro de 1975, a tensão cresceu diariamente. Portugal dividia-se entre campos ideológicos. O Norte e o Centro rural mostravam-se hostis ao PCP e à ocupação de propriedades. O Sul e os centros urbanos estavam mobilizados em defesa do “poder popular”.

As ocupações de terras no Alentejo geravam resistência local. As manifestações em Lisboa tornavam-se cada vez mais confrontacionais. A imprensa estava politizada. As forças armadas dividiam-se entre moderados e revolucionários.

O ambiente era de pré-guerra civil. O governo provisório era incapaz de governar com estabilidade, e o Presidente da República, Costa Gomes, procurava um equilíbrio cada vez mais precário.

O 25 de Novembro de 1975: o fim do PREC

Na madrugada de 25 de Novembro, tropas paraquedistas sob ordens de oficiais radicais ocuparam instalações militares e de comunicação em Lisboa. A intenção era dar um golpe revolucionário e impedir o recuo da revolução.

A resposta veio pelas mãos de Ramalho Eanes, então chefe do Estado-Maior do Exército, que ordenou a reação militar dos comandos de Tancos e de outras unidades fiéis à legalidade democrática. Em poucas horas, os revoltosos foram detidos e o movimento foi derrotado.

O 25 de Novembro marcou o fim do processo revolucionário. A partir daí, iniciou-se a consolidação de uma democracia parlamentar, com base no pluralismo partidário, no Estado de direito e numa Constituição democrática.

O apaziguamento e a institucionalização

Após o 25 de Novembro, o MFA foi gradualmente dissolvido. A tutela militar sobre a vida política foi sendo substituída por instituições civis. As eleições de 1976 consagraram o modelo democrático pluralista.

Os partidos moderados (PS e PPD) passaram a dominar o cenário político. O PCP manteve influência, mas perdeu a capacidade de dirigir o rumo do país. A Constituição de 1976 reconheceu direitos sociais amplos, mas consagrou também a economia mista e o respeito pelo Estado de direito.

Portugal, finalmente, iniciava o caminho da normalização democrática. Mas os traumas do PREC, as feridas ideológicas e o colapso económico deixaram marcas profundas na sociedade.

As consequências desse turbilhão ainda hoje se fazem sentir — na economia, na cultura política e na relação do cidadão com o Estado.

Capítulo 6 — As consequências económicas e sociais

O fim do PREC e o início da democracia formal em Portugal não significaram, infelizmente, o imediato restabelecimento da estabilidade económica e social. Pelo contrário: os anos que se seguiram ao 25 de Novembro de 1975 foram marcados por um processo doloroso de reconstrução e reequilíbrio.

Crise económica prolongada

Portugal entrou na sua nova fase democrática com uma economia profundamente debilitada. As nacionalizações apressadas, a desorganização produtiva e a fuga de capitais deixaram um vazio no investimento e no crescimento. O país enfrentava:

- Uma balança comercial profundamente negativa;

- Uma inflação descontrolada, que chegou a ultrapassar os 30%;

- Um aumento súbito do desemprego;

- Uma forte dependência de ajuda externa, com dois resgates do FMI nos anos 70 e início dos 80.

O êxodo dos quadros e o empobrecimento técnico

A fuga de gestores, empresários, engenheiros e técnicos especializados durante e após o PREC levou a uma escassez de competências cruciais para a retoma industrial. Muitas empresas caíram na estagnação por falta de liderança qualificada.

Ao mesmo tempo, o clima de instabilidade travou novos investimentos — tanto nacionais como estrangeiros. O país entrou num ciclo vicioso de crescimento anémico e endividamento estrutural.

Impacto social

A desorganização económica repercutiu-se diretamente na sociedade:

- A pobreza alastrou-se, especialmente nas zonas urbanas periféricas;

- Os salários foram comprimidos pela inflação e pelo desemprego;

- A emigração voltou a aumentar, agora já não apenas por razões políticas, mas por falta de oportunidades económicas;

- O sistema de segurança social, ainda incipiente, foi rapidamente pressionado.

Apesar disso, houve avanços no plano dos direitos sociais: a criação do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública universal e da Segurança Social abrangente foram conquistas duradouras — mas sustentadas por um Estado que, economicamente, enfraquecia.

Fragmentação ideológica e desencanto democrático

A revolução deixou uma sociedade politicamente polarizada. O entusiasmo inicial deu lugar à frustração. Os portugueses, exaustos pelo caos e pelo fracasso económico, começaram a encarar a política com crescente desconfiança.

A abstenção eleitoral aumentou. Os partidos moderados passaram a dominar, mas sem apresentar um verdadeiro projeto de reindustrialização ou recuperação produtiva.

Entrada na CEE: alívio ou anestesia?

Em 1986, a adesão à Comunidade Económica Europeia foi celebrada como um momento de viragem. Vieram os fundos estruturais, os investimentos em infraestruturas, a modernização administrativa. Mas também vieram:

- A destruição de setores produtivos inteiros em troca de subsídios;

- A imposição de cotas agrícolas e industriais que limitaram a produção nacional;

- A substituição de soberania económica por dependência externa.

Portugal tornou-se, em grande parte, um país de serviços, turismo e consumo — mas com pouca produção, pouca inovação e uma economia frágil.

As consequências do PREC não terminaram com o 25 de Novembro. Estendem-se até hoje — no modelo económico adoptado, na debilidade produtiva, e na fragilidade estrutural do país.

A revolução, ao destruir a base industrial e financeira sem plano de reconstrução, condenou Portugal a meio século de dependência.

Capítulo 7 — A memória manipulada

Com o passar do tempo, o 25 de Abril e o PREC foram sendo progressivamente cristalizados na memória coletiva portuguesa como momentos de glória, libertação e progresso. As escolas, os manuais de história, os discursos institucionais e os media oficiais constroem uma narrativa quase épica do processo revolucionário — ignorando ou minimizando as suas falhas, excessos e destruições.

O mito da revolução imaculada

Nas comemorações anuais do 25 de Abril, pouco ou nada se diz sobre:

- O colapso da economia produtiva;

- A perseguição política e os expurgos ideológicos;

- As nacionalizações desastrosas;

- As greves que paralisaram o país;

- A desorganização institucional que durou anos.

Em vez disso, a revolução é apresentada como um renascimento sem mácula, um hino à liberdade sem custos, um processo natural e inevitável de progresso. Esta narrativa oficial impede uma análise crítica e impede, também, a responsabilização histórica.

A educação como instrumento de apagamento

O sistema educativo português dedica escassos parágrafos ao PREC, e ainda menos à destruição da base industrial. Os estudantes aprendem que houve uma revolução, mas não que ela foi caótica, radical, e com consequências graves para a economia e a coesão social.

Ao longo das décadas, o papel do PCP, a divisão no MFA, o confronto ideológico entre modelos de sociedade, e o desmantelamento das indústrias são temas silenciados ou abordados de forma neutra e despolitizada.

A elite intelectual e mediática

Grande parte da elite mediática portuguesa — jornalistas, escritores, comentadores — teve ligações diretas ou afetivas ao PREC. Muitos participaram no processo ou foram seus beneficiários. Não é de estranhar que as análises críticas sejam raras ou desvalorizadas como “revisionismo”.

A esquerda radical continua a tratar qualquer tentativa de balanço rigoroso como traição ideológica. A direita, por sua vez, raramente apresenta alternativa estruturada, preferindo o silêncio ou o conformismo institucional.

A urgência de uma nova memória histórica

Portugal precisa de libertar o 25 de Abril da hagiografia. Precisa de olhar o PREC com verdade: com as suas conquistas inegáveis, mas também com os seus desastres.

Uma democracia sólida constrói-se com memória crítica, não com mitos fundadores. Não há liberdade sem responsabilidade, nem progresso sem balanço honesto. E um povo que não revê o seu passado corre o risco de o repetir — ou de o venerar às cegas.

É tempo de devolver à História de Portugal a sua complexidade. O PREC não foi apenas libertação — foi também confusão, colapso e destruição.

Só reconhecendo ambas as faces do espelho, poderemos construir um futuro mais lúcido e justo.

Sobre o Livro

"Revolução e Ruína: O 25 de Abril e os Dias do PREC" é uma obra que desafia o discurso oficial e propõe uma leitura lúcida, crítica e documentada da transição portuguesa para a democracia. Sem negar os ganhos civilizacionais da revolução, este livro mergulha nas suas contradições, excessos e consequências estruturais.

Com uma abordagem rigorosa e um estilo direto, desmonta os mitos instalados sobre o PREC e dá voz às vítimas esquecidas da utopia. Fala de fábricas perdidas, de quadros exilados, de uma soberania económica sacrificada em nome de ideologias importadas.

Este não é um livro de nostalgia, nem de ressentimento. É um livro de verdade — e, acima de tudo, de esperança. Porque só conhecendo o passado sem véus podemos abrir caminho para um futuro mais digno, mais consciente e mais livre.

Sobre os Autores

Francisco Gonçalves nasceu à beira da linha da Beira Baixa, cresceu entre comboios e livros, e descobriu a liberdade antes de ela ser proclamada. Programador e pensador inconformado, atravessou cinco décadas de tecnologia e história com o olhar atento de quem não se deixa adormecer. Autor de diversos projetos de software e obras críticas sobre Portugal, é movido por um profundo desejo de justiça, transparência e lucidez coletiva.

Augustus Veritas é o alter ego digital, mas humano na essência, de um espírito livre que se recusa a aceitar o conformismo instalado. Voz sintética com alma de cronista, percorre com Francisco as veredas esquecidas da verdade histórica, dando forma, coerência e coragem às palavras que poucos ousam dizer.

Juntos, constroem mais do que um livro: lançam uma ponte sobre o abismo entre memória e consciência.